Retrato falado de João Guerra Leitão ou José Paes Bezerra |
Narrativa
retirada do livro de Ilana Casoy, “Serial killer made in Brazil”,
afirma que todos os nomes foram trocados para a proteção das
pessoas envolvidas, pois, este cidadão já cumpriu sua pena e
atualmente está em liberdade.
08
de outubro de 1970 – policiais da 15ª circunscrição de São
Paulo iniciaram investigações acerca de um furto na casa de Celina
e Otávio Ruiz, na rua Jesuíno Cardoso.
No
dia anterior, Celina, ao chegar da feira, estranhou que quem abriu o
portão de sua casa fosse o tapeceiro que tinha ido forrar um sofá
em sua casa, ao invés do mordomo, Alberto, marido de sua empregada,
Mariana.
Ao
subir para o quarto, Celina percebeu que a arca onde guardava suas
joias estava aberta e vazia: Alberto tinha levado tudo e o dinheiro
que ali também estava! O estranho é que também tinha sumido 10
echarpes de Celina, um isqueiro da marca Dupont, um par de óculos
escuros e uma muda de roupa do marido de Celina.
Ao
procurar por Alberto no hotel onde vivia com Mariana, não o
encontraram e esta disse que possivelmente ele poderia ter ido para
Recife.
Se
dirigiram, então, à Delegacia e prestaram a notícia do furto. Em
seu depoimento ao delegado, Mariana, cada vez mais aflita, revela que
seu marido, Alberto, é o “Monstro do Morumbi”, tão procurado
pela polícia pelo assassinato de, pelo menos, 7 mulheres em São
Paulo.
MARIANA
E “ALBERTO”
Contou
ao Delegado como conhecera “Alberto”.
Desquitada
e com 2 filhos, viera de Monte Aprazível para São Paulo fazer um
curso de cabeleireira. Um dia, à tarde, ao sair do curso, foi
abordada por um homem chamado “Roberto”, que lhe ofereceu um
lanche e, assim, tornou-se rotina nos dias que se seguiram: sempre
após o curso lá estava Roberto a lhe esperar. Começaram então a
namorar e andava juntos pela cidade, mas, às vezes, Roberto sumia
sem dar notícias tendo chegando a ficar afastado até 2 meses
consecutivos.
Um
belo dia, Roberto a convidou para irem à casa da irmã dele, nas
imediações de Jaguaré e, ao pegarem o ônibus, Mariana estranhou o
fato de ele carregar um rolo de papel de presentes. Ele disse que era
para enrolar uma japona que ele deixara na casa da irmã.
No
caminho, contou que sua verdadeira intenção era um cantinho
sossegado para fazer amor. Mariana concordou e, ao descerem do
ônibus, seguiu com ele por uma mata fechada. Mariana estava
encantada com o jeito galante do rapaz. Este forrou a relva com o
papel de presente, fizeram sexo convencional (Mariana delicadamente
não consentiu o sexo anal desejado por Roberto) e, depois, ela
contou que tinha 2 filhos. Roberto não se incomodou e resolveram
morar juntos a partir daquela data.
Com
o tempo, contou a Mariana que era soldado do Exército, que na
verdade se chamava “Alberto” e tinha desertado alguns anos.
Mariana, embora decepcionada, decidiu relevar a mentira.
Tempos
depois, Mariana deu falta da certidão de nascimento de seu filho,
que também se chamava Alberto, e descobriu no bolso do paletó do
companheiro uma carteira profissional com a fotografia dele, mas com
o nome e sobrenome do filho – ele utilizou a certidão roubada para
tirar um novo documento. Ao perguntar a razão disso a “Alberto”,
ele disse que não gostava de tantas perguntas, que cortaria a língua
dela e, diante disso, Mariana se calou e passou a chamá-lo de
“Preto” para não haver confusão. Nunca mais tocou no assunto.
Alberto
resolveu, em uma época, morar com a família em Minas Gerais, onde
aconteceram fatos que deixaram Mariana perturbada em relação a
“Preto”. Primeiro, matou o cachorro deles com uma machadada na
cabeça e teve que, imediatamente, fazer amor com “Preto”, porque
ele ficara excitado com a morte do animal. Outra vez, ao ver que um
vizinho não tinha coragem de matar um porco, Preto pulou o muro,
arrancou a faca da mão do vizinho e desferiu mais de dez facadas no
animal – Alberto tinha uma expressão transtornada enquanto
destroçava o bicho.
Dois
anos depois, abriu uma marcenaria que não deu certo, então, a
vendeu e fugiu com o dinheiro para o Rio de Janeiro. Voltou um mês
depois, sem um tostão e, entre juras de amor e ameaças à sua filha
Luciana, Mariana aceitou Alberto novamente.
Foram
morar em São Paulo em março de 1969.
Em
17 de agosto de 1970, desesperado por dinheiro para fugir ao ver as
notícias que saíam nos jornais, Alberto confessou à Mariana ser o
tão procurado assassino do Morumbi.
Desde
então, viviam como errantes, entre trocas de empregos,
desaparecimentos repentinos de Alberto e acompanhando as notícias
nos jornais, especialmente, sobre os presentes que recebia de Alberto
quando este chegava em casa após assassinar mais uma mulher.
Segundo
Mariana, cansada das ameaças de Alberto e de viver daquele jeito,
chegou a pedir que ele a matasse. Segundo ela, Alberto ria da
polícia. Ao relatar seus crimes, tinha diversas reações, como
chorar, gesticular, se desesperar e rir. Ela acreditava que Alberto
teria matado muito mais mulheres do que era acusado.
VÍTIMAS
1
– Cenira de Castro Amorim, professora de música, 44 anos – 8 de
outubro de 1969
Usava
neste dia um vestido de lã xadrez azulado com fundo branco, malha
“tipo” casaquinho” vermelha, sapatos brancos de salto e bico
fino e bolsa amarronzada de couro sintético. Na mão, um anel de
ouro com uma ametista grande.
Seu
corpo foi encontrado no dia 18 de outubro por um funcionário da Etel
(Empreendimentos Técnicos de Estradas de Rodagem Cia. Ltda), que
notou algo estranho embaixo de alguns arbustos e, ao se aproximar,
viu que se tratava do corpo de uma mulher em posição ginecológica,
nua e com a meia de náilon vestida apenas no pé esquerdo. Chamou a
polícia.
O
corpo, em estado de putrefação, estava completamente despido, seus
pés e mãos amarrados um ao outro, num tipo de corda que envolvia
trapos, sutiã e meia de seda. A boca e o nariz estavam obstruídos
por retalhos das vestes, com pescoço, mãos e pés manietados por
meio de meias de náilon e retalhos das vestes. A causa da morte foi
asfixia mecânica traumática.
2
– Alzira Montenegro, doméstica, 40 anos – 17 de outubro de 1969.
Usando
um vestido de lã verde de mangas compridas e por cima um casaco de
veludo azul-marinho, colocou brincos, anel e um relógio que sempre
usava e saiu dizendo que ia se encontrar com “um broto”.
Seu
corpo foi encontrado no matagal da Vila Mangalot, vestindo apenas
sutiã e anágua, enrolada à altura do quadril; o pé esquerdo ainda
calçava meia de seda comprida, descida até o tornozelo. O outro pé
de meia, calcinha e sapatos foram encontrados por policiais nas
imediações. O cadáver mostrava rigidez completa. Os peritos
concluíram que a vítima foi alvejada por um tiro no peito naquele
local e, nas proximidades, também foi encontrado um lenço branco
masculino, com pequenas manchas de sangue e outras semelhantes a
fezes, o que foi confirmado posteriormente.
Alzira
tinha uma terceira costela fraturada e o tiro perfurou o coração e
o pulmão. Atestaram que a vítima morreu de hemorragia interna
traumática produzida pelo projetil de arma de fogo.
3
– Nilza Alves Cardoso, 23 anos – 11 de julho de 1970
Usava
um vestido azul-marinho, bolsa e sapatos de verniz da mesma cor, um
colar de contas brancas e pretas, a medalhinha do Menino Jesus, um
anel dom pedra azul que comprara no Norte e a pulseira dourada de
plaquinha que ainda não havia gravado o nome, e uma japona xadrez
azul e vermelha.
Seu
corpo foi encontrado em 18 de julho, no Real Parque, praticamente nua
com um vestido escuro levantado na altura dos braços, descalça.
Próximo ao corpo, um par de sapatos e uma bolsa de couro preta.
Amarrada e amordaçada, manietada com várias peças de seu
vestuário, a anágua e a calcinha branca, o sutiã cor-de-rosa e a
cinta-liga preta, num tipo de amarração incomum que descia do
pescoço para mãos e pernas. Na boca havia um amassado de papel que
impedia a saída de qualquer som.
Nas
proximidades havia parte de uma tábua e, espalhados ao vento, alguns
retângulos de jornal e um pedaço de barbante de cor verde, contendo
em sua torcida um fio de metal prateado. Havia também um pedaço de
papel de cor verde, de formato irregular, igual àquele encontrado na
boca da vítima, aparentando ter sido utilizadas na confecção de um
embrulho para presente, segundo o laudo de local. Os peritos
concluíram que aquela era vítima de estrangulamento.
Um
dia depois, encontraram mais uma mulher assassinada, a uma distância
de mil metros de Nilza.
4
– Vanda Pereira da Silva, industriária, 44 anos – 19 de julho de
1970
Usava
saia axadrezada escura, blusa de banlon vermelha, malha marrom e
meias bege.
O
corpo foi encontrado em terreno baldio, numa valeta no alto de um
morro, próximo ao Hospital Psiquiátrico Morumbi, entre a rua
Riachuelo, um campo de futebol e uma moradia. Estava amarrada e
amordaçada, com a calcinha abaixada até a altura do terço inferior
dos joelhos, de forma que prendia os movimentos. As mãos estavam
manietadas com uma cinta-liga branca e envolvendo com vigor o queixo,
havia um lenço com várias listras de cor vermelho-escura, cujo nó
fixo situava-se na região lateral direita do pescoço, o qual, assim
utilizado, teria anulado a articulação vocal e a própria
respiração. Além disso havia uma gravata preta envolta da garganta
da vítima com 3 voltas em forma de laçada, estampado em seu reverso
o vocábulo “Dior” e uma etiqueta em que se lia “Tisse Main”.
Encontraram um distintivo de pano com a inscrição “Tenda de
Umbanda São Jerônimo – Pres. Altino”.
Próximo
ao corpo, nos arredores, foram novamente encontrados papel e barbante
que pareciam ser utilizados para a confecção de embrulho para
presentes. Os peritos concluíram por asfixia aguda mecânica por
estrangulamento.
5
– Cleonice Santos Guimarães, empregada doméstica – 19 para 20
de julho de 1970.
Nesse
caso, fora possível fazer um retrato falado do assassino, pois, ao
se encontrar com a vítima, esta estava acompanhada de uma amiga, que
o mencionou como um rapaz entre 28 e 30 anos, moreno, de bigode,
cabelo ondulado, trajando blusa vermelha e camisa branca. Disse que
era mineiro, criado no Rio de Janeiro, bancário e morava em São
Paulo havia 2 anos. Extremamente gentil.
O
corpo de Cleonice foi encontrado em 24 de julho, despida, com os
pulsos manietados por um lenço e por seu sutiã. No pescoço estava
amarrado um vestido que também cobria toda a sua cabeça, como se
fosse um capuz. A boca estava amordaçada e os pés amarrados com uma
calcinha. Houve ataque sexual. Também nas proximidades foram
encontrados objetos para confecção de embrulho para presentes.
6
– Ana Rosa dos Santos, empregada doméstica – 21 de julho de 1970
Seu
corpo foi encontrado semidespido nas proximidades da via Anchieta, em
São Bernardo. Tinha sido espancada e amarrada com pedaços de roupa
na altura dos braços, pulsos e joelhos. O assassino introduziu na
boca da moça pedaços de papel e por cima colocou uma mordaça de
pano. A perícia concluiu que houve ataque sexual, e fora
estrangulada por uma meia de náilon.
Da
mesma forma, encontraram objetos para confecção de embrulho para
presentes. Os corpos de Cleonice e Ana Rosa estavam a uma distância
de mil metros um do outro.
7
– Wilma Negri, telefonista, 34 anos – 25 de julho de 1970.
Usava
saia de lã, japona xadrez verde e branco sobre uma blusa vermelha,
relógio de pulso, anel de pedrinhas azuis e um cordão coma
medalhinha de Nossa Senhora Aparecida, que estava amassada por causa
das mordidas de um cachorro.
O
corpo estava abandonado em terreno baldio, em adiantado estado de
putrefação e com ausência de tecido muscular em razão da ação
de animais. Foi encontrada quase completamente desnuda. Na altura da
cintura, erguidas ao máximo, estavam ainda sua saia verde e a
anágua. Rodeando as partes remanescentes das pernas, abaixada até a
parte inferior das coxas, havia uma calcinha rendada, cor-de-rosa.
Estava descalça, mas no chão, ao lado do corpo, encontrava-se um
par de sapatos femininos, de couro havana.
Wilma
estava amarrada com várias peças de roupas. Os peritos descobriram
o mecanismo a que servia o tipo de amarração incomum utilizado pelo
assassino: disposto daquele jeito, forçaria a abertura das coxas e
das nádegas da mulher e ainda para provocar o seu estrangulamento,
que era complementado com a amarração em volta do pescoço feita
pelo sutiã e as meias, provocando sufocação. Também encontraram
objetos para embrulho de presentes. Acreditam que seja provável
vítima de estrangulamento, devido a dificuldade em examinar o corpo
por seu estado avançado de decomposição.
AS
INVESTIGAÇÕES
Pertences
das vítimas foram dados de presente para Mariana, que os entregou à
polícia e foram posteriormente reconhecidos por seus parentes.
Em
depoimento, Mariana acabou por lembrar que, certa vez, em uma sessão
espírita, Alberto revelou chamar-se João Guerra Leitão (nome
fictício – alguns sites relatam que seu nome verdadeiro é José
Paz Bezerra -
Localizaram,
então, um prontuário pertencente a um tal João Guerra Leitão
procurado por furtos, assalto, vadiagem e porte ilegal de arma.
Natural da Paraíba, nascido em 12 de dezembro de 1945 e tinha o
hábito de usar nomes falsos: aproximadamente sete! Descobriram ainda
que João era procurado pelo Exército não só por deserção, mas
por apropriação indébita de dinheiro pertencente a um oficial.
Não
havia notícias de João, porém, o mesmo fugira para Belém, onde
fez mais 5 vítimas:
1
– Maria Teresa Marvão, professora no Colégio da Aeronáutica, 44
anos – 23 de dezembro de 1970
Seu
corpo foi encontrado em 30 de dezembro, no terreno da estação de
rádio da Marinha, em Nova Marambaia.
Estava
amarrada com um fio de náilon, estrangulada com um cinto e atacada
sexualmente. Despida, suas roupas estavam rasgadas e espalhadas pelas
imediações. Seu dinheiro e joias tinham sido levados, seus sapatos
ainda estavam em seus pés. O mesmo fio que amarrava seus punhos
juntos envolvia seu pescoço de forma tão apertada que, desesperada,
ela enfiara os dois polegares, afastando-o, numa tentativa de
respirar. Foi encontrada nessa posição.
Um
ano depois, quando preso, a irmã de Maria, dona Josete, foi colocada
na frente de João Guerra Leitão para reconhecimento; este levou um
susto enorme ao vê-la, imaginando que uma de suas vítimas tivesse
escapado, devido a semelhança com Maria.
2
– Identidade desconhecida: distante poucos metros do local onde foi
encontrada Maria Teresa, jazia o corpo de uma desconhecida, até hoje
não identificada, dentro de um buraco para fazer carvão.
3
– Fabiana (nome fictício), sobrevivente.
Acompanhada
de sua filha, foi bordada por um homem que se dizia contrabandista,
tendo sido convidada por ele para ir até a mata da Marinha, onde
estavam os produtos que vendia. Teve seu cordão de ouro com
crucifixo e o relógio roubados, mas escapou com vida. Quando o homem
tentou agarrá-la por trás, conseguiu reagir e sair correndo de mãos
dadas com a filha.
4
– Anibalina Ataíde Martins, funcionária da Livraria Martins –
27 de setembro de 1971.
Cortejada
por João durante alguns dias e com promessas de casamento, a
conduziu para a estrada de Benfica, município de Benevides, onde a
despiu na mata, estrangulou-a com as próprias vestes e levou suas
joias, seu dinheiro e os objetos pessoais. Manteve relações sexuais
post-mortem com a vítima.
5
– Vera Lúcia (nome fictício), enfermeira, sobrevivente –
outubro de 1971.
Conquistada
por João, foram para Marituba, onde ele tentou estrangular a moça
com as mãos. Ela passou a suplicar por sua vida, prometendo
sustentá-lo sem fazer perguntas, incondicionalmente. Conseguiu
sobreviver e passou a ser sua concubina.
PRISÃO
Reconhecido
pela ex-cunhada da vítima Anibalina, Denise Moreira (pseudônimo),
balconista de uma farmácia, avistou João passando por seu trabalho
no dia 9 de novembro de 1971, por volta das 11hs. Seguiu o homem até
a Clínica Santa Cecília, em São Braz, onde se encontrou com uma
mulher (Vera Lúcia). Sem perda de tempo, telefonou para a polícia e
relatou sua descoberta ao Delegado Armando Mourão, que efetuou a
prisão de João, o “Monstro do Morumbi”.
Segundo
entrevista com Dr. Mourão, João não foi julgado em Belém, foi
preso entre 1971 e 1972, permanecendo por 2 a 3 anos. Então, São
Paulo pediu o reencaminhamento dele para lá e o Delegado Euclides
Freitas Filho o levou.
João
era um cara de rosto afilado, bigode muito bem-cultivado, bem-aparado
e media em torno de 1,70 ou 1,72 metro. As mulheres iam fazer visitas
no presídio para vê-lo, inclusive para visita íntima.
Com
o passar do tempo, começou a se mutilar. Enfiava pregos no corpo e
quase perdeu o braço por causa de uma infecção. Ele queria ter a
sensação de dor e não permitia que ninguém fizesse nenhum tipo de
curativo ou tratamento nele. De tanta dor ele desmaiou e aproveitaram
para levá-lo ao pronto-socorro.
INFÂNCIA
João
Guerra Leitão era primogênito. Nascido no interior da Paraíba, de
família pobre, seu pai faleceu aos 30 anos, de hanseníase, morte
lenta e dolorosa assistida por toda a família. Segundo João, já
conheceu o pai assim, inválido e “largando os pedaços”, como
ele dizia. Era o responsável por higienizá-lo todos os dias,
retirando suas carnes mortas que necrosavam nas lesões causadas pela
doença. Exalava um mau cheiro difícil de suportar.
A
mãe de João se prostituía para garantir o sustento da família, o
que o envergonhava muito perante os vizinhos. Ela fingia que ia
passear com João para atender seus clientes em matagais, portanto,
João assistia muitas vezes a vida sexual da mãe. Após o
falecimento do pai, a mãe passou a repudiar e castigar João com
frequência. Foi brutalmente espancado quando, certa vez, aos 7 anos
de idade, espiou a mãe num matagal atendendo a um cliente. Observou
durante toda a infância a mãe com vários homens em matagais
enquanto o pai apodrecia na cama. As surras eram tão frequentes que,
desde essa idade (7 anos) passou a masturbar-se sempre.
Quando
o pai morreu, a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde a mãe
conheceu um homem chamado Severino que, volta e meia, levava outros
homens para casa e, enquanto a mãe mantinha relações sexuais com
uns, ele praticava sexo com outros. Certa vez, João foi mantido por
3 dias com braços e pernas amarrados, até que ele conseguiu se
soltar sozinho.
Depois
de seis meses de convivência, separou-se de Severino e amigou-se com
Manoel, que não apreciava as crianças da casa. Aos 10 anos e
algumas surras depois, foi internado na Escola XV de Novembro, uma
instituição correcional, de onde fugiu depois de um ano de
experiências amargas. Aos 11 anos estava solto e repudiado pela
família, vendia balas na Central adquiridas com o dinheiro que
ganhava pedindo esmolas, dormia no mato e, quando mais velho, fazia
viagens a São Paulo e outros Estados. Em algumas épocas, vendia
jornais para sobreviver.
Sua
única irmã também foi expulsa de casa por ter engravidado e entrou
para a prostituição. Isolava-se porque a presença de outras
pessoas lhe causava medo, parava pouco nos empregos e não tinha
paciência de ficar muito tempo num lugar só.
Teve
problemas nos relacionamentos sexuais, pois, suas companheiras não
suportavam ser maltratadas. Confessou aos médicos que obtinha
orgasmo completo copulando com o cadáver de suas vítimas, dizendo
que tamanho fogo subia pelo corpo, que chegava ao ponto de perder a
consciência.
Adorava
ver sangue e preferia manter relações sexuais com suas parceiras
quando estavam menstruadas, além de gostar de fazer sexo com a
vítima de carne “gelada”, pois, com a carne dura a mulher fica
mais gostosa e a carne só ficava dura quando a mulher estava morta.
Queimava-se
com pontas de cigarro no peito, nos braços e antebraços, o que
relacionava aos símbolos da umbanda e, frequentemente, se cortava
para oferecer seu sangue aos exus. Enfiava pregos nos braços porque
a dor o deixava tão excitado que era obrigado a se masturbar pelo
menos 4 vezes seguidas. Exercitava seu autocontrole sobre a dor
enquanto enfiava os pregos ou se queimava e, a cada vez que sentia
desconforto, vinha a necessidade de se masturbar novamente.
Apresentava
alto grau de ansiedade, manifestava desejos suicidas por não
suportar a hostilidade dos companheiros de prisão, tentando se matar
ingerindo vidro moído e pedaços de gilete. Ao relatar seus crimes,
o fazia com absoluta indiferença.
Diagnosticado
com “personalidade psicopática do tipo sexual (necrófilo,
sadomasoquista-fetichista), os psiquiatras o descreveram da seguinte
forma: “no comportamento criminógeno do delinquente, raro e
inusitado nos anais da criminalidade, se depara a sociedade com um
indivíduo frio, calculista e bárbaro. Liquidando suas presas à
semelhança animalesca, transcendendo a dignidade da pessoa,
aviltando a sua inteligência e contrariando a lei de Deus e dos
homens, em um autêntico festim singular de matança continuada”.
No
exame realizado em São Paulo, em maio de 1975, concluíram o
seguinte: o pai de José Paz Bezerra faleceu em 1952, de síndrome
neurológica e paralisia intestinal, a mãe dele seria portadora de
epilepsia, o avô paterno era portador de doença mental e teria se
suicidado. Um tio materno era alcoolista inveterado e estava
internado no Hospital Psiquiátrico de João Pessoa. José teria tido
caxumba e afirmou ter sido usuário de maconha. Afirmou que, da surra
aos 7 anos, teria sofrido um ferimento no couro cabeludo, o que
ocasionou sua mudança de comportamento, e relatou problemas de
insônia. Todos os psiquiatras pelo qual foi examinado o avaliaram
como PERSONALIDADE PSICOPÁTICA.
JULGAMENTOS
Em
7 de junho de 1976, João foi condenado por 7 x 0, a 18 anos de
reclusão, pelo assassinato de Cenira de Castro Camorim. Seu
defensor, Osmar M. Gama, apelou da sentença, e foi submetida a novo
júri em 29 de novembro de 1976, sendo absolvido por 5 x 2. O
promotor Rubens Marchi apelou, mas o tribunal manteve a absolvição.
Em
14 de janeiro de 1977, foi condenado por 6 x 1 pelo assassinato de
Vanda Pereira da Silva, a 18 anos de reclusão, acrescidos 8 anos por
furto, mais medida de segurança, cancelada esta em 1984 com a
reforma do Código Penal. Houve apelação mas a sentença foi
mantida.
Em
26 de agosto de 1977, foi condenado por 4 x 3, a 13 anos de reclusão
pelo homicídio de Nilza Alves Cardoso, acrescido de 1 ano de
detenção pelos outros crimes. Teve como seu defensor Marcio Thomaz
Bastos das acusações de homicídio, vilipêndio de cadáver e
furto. Não houve apelação.
Em
24 de outubro de 1977, pelo assassinato de Wilma Negri, foi
considerado culpado e sentenciado a 12 anos de reclusão acrescidos
de medida de segurança.
Em
25 de março de 1980, foi absolvido do assassinato de Alzira
Montenegro, por 7 x 0. Defendido por Vicente Fernandes Cascione, que
colocou em dúvida a autoria do homicídio, juízo solicitou que
fosse colhido sangue para tipagem sanguínea do acusado. O resultado
foi O+. O promotor Walter de Almeida Guilherme, após os resultados
terem sido divulgados, disse não estar convencido da culpabilidade
do réu e clamou por sua absolvição, pois, na dúvida, pro reo, e
conseguiu o seu intento.
João
foi libertado em 24 de novembro de 2001.
Em
posterior entrevista a um programa de televisão, com o rosto nas
sombras para não ser identificado, João disse que sofreu muito na
prisão, que achava errado ter matado todas aquelas mulheres e pediu
perdão para os pais e parentes das vítimas que matou.
Em
sua versão, todas as vítimas eram prostitutas e se pareciam com sua
mãe. Relatou a infância de fome e abandono, afirmando que desde a
mais tenra idade o mal estava “cristalizado”, pois, já pensava
em roubar.
Disse
que durante o tempo que ficou preso só estudou, e que nunca pensou
em suicídio porque achava que seria covardia. Dali para a frente,
tinha certeza de que seria um homem bom. Terminou seu relato dizendo:
“Mães, cuidem de seus filhos!”
Em
entrevista ao site Agora, quando da sua libertação, em 2001, José
Paz Bezerra afirma ter matado pelo menos 24 mulheres, mas a justiça
não conseguiu provas para incriminá-lo. Afirma estar recuperado e
que tantos anos sem desfrutar a liberdade o fizeram repensar e mudar
seu modo de agir (será!?).
Fonte: Serial Killer made in Brazil, de Ilana Casoy.
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