domingo, 20 de outubro de 2013

MONSTRO DO MORUMBI

Retrato falado de João Guerra Leitão
ou José Paes Bezerra

Narrativa retirada do livro de Ilana Casoy, “Serial killer made in Brazil”, afirma que todos os nomes foram trocados para a proteção das pessoas envolvidas, pois, este cidadão já cumpriu sua pena e atualmente está em liberdade.

08 de outubro de 1970 – policiais da 15ª circunscrição de São Paulo iniciaram investigações acerca de um furto na casa de Celina e Otávio Ruiz, na rua Jesuíno Cardoso.

No dia anterior, Celina, ao chegar da feira, estranhou que quem abriu o portão de sua casa fosse o tapeceiro que tinha ido forrar um sofá em sua casa, ao invés do mordomo, Alberto, marido de sua empregada, Mariana.

Ao subir para o quarto, Celina percebeu que a arca onde guardava suas joias estava aberta e vazia: Alberto tinha levado tudo e o dinheiro que ali também estava! O estranho é que também tinha sumido 10 echarpes de Celina, um isqueiro da marca Dupont, um par de óculos escuros e uma muda de roupa do marido de Celina.

Ao procurar por Alberto no hotel onde vivia com Mariana, não o encontraram e esta disse que possivelmente ele poderia ter ido para Recife.

Se dirigiram, então, à Delegacia e prestaram a notícia do furto. Em seu depoimento ao delegado, Mariana, cada vez mais aflita, revela que seu marido, Alberto, é o “Monstro do Morumbi”, tão procurado pela polícia pelo assassinato de, pelo menos, 7 mulheres em São Paulo.


MARIANA E “ALBERTO”

Contou ao Delegado como conhecera “Alberto”.
Desquitada e com 2 filhos, viera de Monte Aprazível para São Paulo fazer um curso de cabeleireira. Um dia, à tarde, ao sair do curso, foi abordada por um homem chamado “Roberto”, que lhe ofereceu um lanche e, assim, tornou-se rotina nos dias que se seguiram: sempre após o curso lá estava Roberto a lhe esperar. Começaram então a namorar e andava juntos pela cidade, mas, às vezes, Roberto sumia sem dar notícias tendo chegando a ficar afastado até 2 meses consecutivos.

Um belo dia, Roberto a convidou para irem à casa da irmã dele, nas imediações de Jaguaré e, ao pegarem o ônibus, Mariana estranhou o fato de ele carregar um rolo de papel de presentes. Ele disse que era para enrolar uma japona que ele deixara na casa da irmã.

No caminho, contou que sua verdadeira intenção era um cantinho sossegado para fazer amor. Mariana concordou e, ao descerem do ônibus, seguiu com ele por uma mata fechada. Mariana estava encantada com o jeito galante do rapaz. Este forrou a relva com o papel de presente, fizeram sexo convencional (Mariana delicadamente não consentiu o sexo anal desejado por Roberto) e, depois, ela contou que tinha 2 filhos. Roberto não se incomodou e resolveram morar juntos a partir daquela data.

Com o tempo, contou a Mariana que era soldado do Exército, que na verdade se chamava “Alberto” e tinha desertado alguns anos. Mariana, embora decepcionada, decidiu relevar a mentira.

Tempos depois, Mariana deu falta da certidão de nascimento de seu filho, que também se chamava Alberto, e descobriu no bolso do paletó do companheiro uma carteira profissional com a fotografia dele, mas com o nome e sobrenome do filho – ele utilizou a certidão roubada para tirar um novo documento. Ao perguntar a razão disso a “Alberto”, ele disse que não gostava de tantas perguntas, que cortaria a língua dela e, diante disso, Mariana se calou e passou a chamá-lo de “Preto” para não haver confusão. Nunca mais tocou no assunto.

Alberto resolveu, em uma época, morar com a família em Minas Gerais, onde aconteceram fatos que deixaram Mariana perturbada em relação a “Preto”. Primeiro, matou o cachorro deles com uma machadada na cabeça e teve que, imediatamente, fazer amor com “Preto”, porque ele ficara excitado com a morte do animal. Outra vez, ao ver que um vizinho não tinha coragem de matar um porco, Preto pulou o muro, arrancou a faca da mão do vizinho e desferiu mais de dez facadas no animal – Alberto tinha uma expressão transtornada enquanto destroçava o bicho.

Dois anos depois, abriu uma marcenaria que não deu certo, então, a vendeu e fugiu com o dinheiro para o Rio de Janeiro. Voltou um mês depois, sem um tostão e, entre juras de amor e ameaças à sua filha Luciana, Mariana aceitou Alberto novamente.

Foram morar em São Paulo em março de 1969.

Em 17 de agosto de 1970, desesperado por dinheiro para fugir ao ver as notícias que saíam nos jornais, Alberto confessou à Mariana ser o tão procurado assassino do Morumbi.

Desde então, viviam como errantes, entre trocas de empregos, desaparecimentos repentinos de Alberto e acompanhando as notícias nos jornais, especialmente, sobre os presentes que recebia de Alberto quando este chegava em casa após assassinar mais uma mulher.

Segundo Mariana, cansada das ameaças de Alberto e de viver daquele jeito, chegou a pedir que ele a matasse. Segundo ela, Alberto ria da polícia. Ao relatar seus crimes, tinha diversas reações, como chorar, gesticular, se desesperar e rir. Ela acreditava que Alberto teria matado muito mais mulheres do que era acusado.


VÍTIMAS

1 – Cenira de Castro Amorim, professora de música, 44 anos – 8 de outubro de 1969
Usava neste dia um vestido de lã xadrez azulado com fundo branco, malha “tipo” casaquinho” vermelha, sapatos brancos de salto e bico fino e bolsa amarronzada de couro sintético. Na mão, um anel de ouro com uma ametista grande.

Seu corpo foi encontrado no dia 18 de outubro por um funcionário da Etel (Empreendimentos Técnicos de Estradas de Rodagem Cia. Ltda), que notou algo estranho embaixo de alguns arbustos e, ao se aproximar, viu que se tratava do corpo de uma mulher em posição ginecológica, nua e com a meia de náilon vestida apenas no pé esquerdo. Chamou a polícia.

O corpo, em estado de putrefação, estava completamente despido, seus pés e mãos amarrados um ao outro, num tipo de corda que envolvia trapos, sutiã e meia de seda. A boca e o nariz estavam obstruídos por retalhos das vestes, com pescoço, mãos e pés manietados por meio de meias de náilon e retalhos das vestes. A causa da morte foi asfixia mecânica traumática.

2 – Alzira Montenegro, doméstica, 40 anos – 17 de outubro de 1969.
Usando um vestido de lã verde de mangas compridas e por cima um casaco de veludo azul-marinho, colocou brincos, anel e um relógio que sempre usava e saiu dizendo que ia se encontrar com “um broto”.

Seu corpo foi encontrado no matagal da Vila Mangalot, vestindo apenas sutiã e anágua, enrolada à altura do quadril; o pé esquerdo ainda calçava meia de seda comprida, descida até o tornozelo. O outro pé de meia, calcinha e sapatos foram encontrados por policiais nas imediações. O cadáver mostrava rigidez completa. Os peritos concluíram que a vítima foi alvejada por um tiro no peito naquele local e, nas proximidades, também foi encontrado um lenço branco masculino, com pequenas manchas de sangue e outras semelhantes a fezes, o que foi confirmado posteriormente.

Alzira tinha uma terceira costela fraturada e o tiro perfurou o coração e o pulmão. Atestaram que a vítima morreu de hemorragia interna traumática produzida pelo projetil de arma de fogo.

3 – Nilza Alves Cardoso, 23 anos – 11 de julho de 1970
Usava um vestido azul-marinho, bolsa e sapatos de verniz da mesma cor, um colar de contas brancas e pretas, a medalhinha do Menino Jesus, um anel dom pedra azul que comprara no Norte e a pulseira dourada de plaquinha que ainda não havia gravado o nome, e uma japona xadrez azul e vermelha.

Seu corpo foi encontrado em 18 de julho, no Real Parque, praticamente nua com um vestido escuro levantado na altura dos braços, descalça. Próximo ao corpo, um par de sapatos e uma bolsa de couro preta. Amarrada e amordaçada, manietada com várias peças de seu vestuário, a anágua e a calcinha branca, o sutiã cor-de-rosa e a cinta-liga preta, num tipo de amarração incomum que descia do pescoço para mãos e pernas. Na boca havia um amassado de papel que impedia a saída de qualquer som.

Nas proximidades havia parte de uma tábua e, espalhados ao vento, alguns retângulos de jornal e um pedaço de barbante de cor verde, contendo em sua torcida um fio de metal prateado. Havia também um pedaço de papel de cor verde, de formato irregular, igual àquele encontrado na boca da vítima, aparentando ter sido utilizadas na confecção de um embrulho para presente, segundo o laudo de local. Os peritos concluíram que aquela era vítima de estrangulamento.

Um dia depois, encontraram mais uma mulher assassinada, a uma distância de mil metros de Nilza.

4 – Vanda Pereira da Silva, industriária, 44 anos – 19 de julho de 1970
Usava saia axadrezada escura, blusa de banlon vermelha, malha marrom e meias bege.

O corpo foi encontrado em terreno baldio, numa valeta no alto de um morro, próximo ao Hospital Psiquiátrico Morumbi, entre a rua Riachuelo, um campo de futebol e uma moradia. Estava amarrada e amordaçada, com a calcinha abaixada até a altura do terço inferior dos joelhos, de forma que prendia os movimentos. As mãos estavam manietadas com uma cinta-liga branca e envolvendo com vigor o queixo, havia um lenço com várias listras de cor vermelho-escura, cujo nó fixo situava-se na região lateral direita do pescoço, o qual, assim utilizado, teria anulado a articulação vocal e a própria respiração. Além disso havia uma gravata preta envolta da garganta da vítima com 3 voltas em forma de laçada, estampado em seu reverso o vocábulo “Dior” e uma etiqueta em que se lia “Tisse Main”. Encontraram um distintivo de pano com a inscrição “Tenda de Umbanda São Jerônimo – Pres. Altino”.

Próximo ao corpo, nos arredores, foram novamente encontrados papel e barbante que pareciam ser utilizados para a confecção de embrulho para presentes. Os peritos concluíram por asfixia aguda mecânica por estrangulamento.

5 – Cleonice Santos Guimarães, empregada doméstica – 19 para 20 de julho de 1970.
Nesse caso, fora possível fazer um retrato falado do assassino, pois, ao se encontrar com a vítima, esta estava acompanhada de uma amiga, que o mencionou como um rapaz entre 28 e 30 anos, moreno, de bigode, cabelo ondulado, trajando blusa vermelha e camisa branca. Disse que era mineiro, criado no Rio de Janeiro, bancário e morava em São Paulo havia 2 anos. Extremamente gentil.

O corpo de Cleonice foi encontrado em 24 de julho, despida, com os pulsos manietados por um lenço e por seu sutiã. No pescoço estava amarrado um vestido que também cobria toda a sua cabeça, como se fosse um capuz. A boca estava amordaçada e os pés amarrados com uma calcinha. Houve ataque sexual. Também nas proximidades foram encontrados objetos para confecção de embrulho para presentes.

6 – Ana Rosa dos Santos, empregada doméstica – 21 de julho de 1970
Seu corpo foi encontrado semidespido nas proximidades da via Anchieta, em São Bernardo. Tinha sido espancada e amarrada com pedaços de roupa na altura dos braços, pulsos e joelhos. O assassino introduziu na boca da moça pedaços de papel e por cima colocou uma mordaça de pano. A perícia concluiu que houve ataque sexual, e fora estrangulada por uma meia de náilon.

Da mesma forma, encontraram objetos para confecção de embrulho para presentes. Os corpos de Cleonice e Ana Rosa estavam a uma distância de mil metros um do outro.

7 – Wilma Negri, telefonista, 34 anos – 25 de julho de 1970.
Usava saia de lã, japona xadrez verde e branco sobre uma blusa vermelha, relógio de pulso, anel de pedrinhas azuis e um cordão coma medalhinha de Nossa Senhora Aparecida, que estava amassada por causa das mordidas de um cachorro.

O corpo estava abandonado em terreno baldio, em adiantado estado de putrefação e com ausência de tecido muscular em razão da ação de animais. Foi encontrada quase completamente desnuda. Na altura da cintura, erguidas ao máximo, estavam ainda sua saia verde e a anágua. Rodeando as partes remanescentes das pernas, abaixada até a parte inferior das coxas, havia uma calcinha rendada, cor-de-rosa. Estava descalça, mas no chão, ao lado do corpo, encontrava-se um par de sapatos femininos, de couro havana.

Wilma estava amarrada com várias peças de roupas. Os peritos descobriram o mecanismo a que servia o tipo de amarração incomum utilizado pelo assassino: disposto daquele jeito, forçaria a abertura das coxas e das nádegas da mulher e ainda para provocar o seu estrangulamento, que era complementado com a amarração em volta do pescoço feita pelo sutiã e as meias, provocando sufocação. Também encontraram objetos para embrulho de presentes. Acreditam que seja provável vítima de estrangulamento, devido a dificuldade em examinar o corpo por seu estado avançado de decomposição.


AS INVESTIGAÇÕES

Pertences das vítimas foram dados de presente para Mariana, que os entregou à polícia e foram posteriormente reconhecidos por seus parentes.

Em depoimento, Mariana acabou por lembrar que, certa vez, em uma sessão espírita, Alberto revelou chamar-se João Guerra Leitão (nome fictício – alguns sites relatam que seu nome verdadeiro é José Paz Bezerra - 

Localizaram, então, um prontuário pertencente a um tal João Guerra Leitão procurado por furtos, assalto, vadiagem e porte ilegal de arma. Natural da Paraíba, nascido em 12 de dezembro de 1945 e tinha o hábito de usar nomes falsos: aproximadamente sete! Descobriram ainda que João era procurado pelo Exército não só por deserção, mas por apropriação indébita de dinheiro pertencente a um oficial.

Não havia notícias de João, porém, o mesmo fugira para Belém, onde fez mais 5 vítimas:

1 – Maria Teresa Marvão, professora no Colégio da Aeronáutica, 44 anos – 23 de dezembro de 1970
Seu corpo foi encontrado em 30 de dezembro, no terreno da estação de rádio da Marinha, em Nova Marambaia.

Estava amarrada com um fio de náilon, estrangulada com um cinto e atacada sexualmente. Despida, suas roupas estavam rasgadas e espalhadas pelas imediações. Seu dinheiro e joias tinham sido levados, seus sapatos ainda estavam em seus pés. O mesmo fio que amarrava seus punhos juntos envolvia seu pescoço de forma tão apertada que, desesperada, ela enfiara os dois polegares, afastando-o, numa tentativa de respirar. Foi encontrada nessa posição.

Um ano depois, quando preso, a irmã de Maria, dona Josete, foi colocada na frente de João Guerra Leitão para reconhecimento; este levou um susto enorme ao vê-la, imaginando que uma de suas vítimas tivesse escapado, devido a semelhança com Maria.

2 – Identidade desconhecida: distante poucos metros do local onde foi encontrada Maria Teresa, jazia o corpo de uma desconhecida, até hoje não identificada, dentro de um buraco para fazer carvão.

3 – Fabiana (nome fictício), sobrevivente.
Acompanhada de sua filha, foi bordada por um homem que se dizia contrabandista, tendo sido convidada por ele para ir até a mata da Marinha, onde estavam os produtos que vendia. Teve seu cordão de ouro com crucifixo e o relógio roubados, mas escapou com vida. Quando o homem tentou agarrá-la por trás, conseguiu reagir e sair correndo de mãos dadas com a filha.

4 – Anibalina Ataíde Martins, funcionária da Livraria Martins – 27 de setembro de 1971.
Cortejada por João durante alguns dias e com promessas de casamento, a conduziu para a estrada de Benfica, município de Benevides, onde a despiu na mata, estrangulou-a com as próprias vestes e levou suas joias, seu dinheiro e os objetos pessoais. Manteve relações sexuais post-mortem com a vítima.

5 – Vera Lúcia (nome fictício), enfermeira, sobrevivente – outubro de 1971.
Conquistada por João, foram para Marituba, onde ele tentou estrangular a moça com as mãos. Ela passou a suplicar por sua vida, prometendo sustentá-lo sem fazer perguntas, incondicionalmente. Conseguiu sobreviver e passou a ser sua concubina.


PRISÃO

Reconhecido pela ex-cunhada da vítima Anibalina, Denise Moreira (pseudônimo), balconista de uma farmácia, avistou João passando por seu trabalho no dia 9 de novembro de 1971, por volta das 11hs. Seguiu o homem até a Clínica Santa Cecília, em São Braz, onde se encontrou com uma mulher (Vera Lúcia). Sem perda de tempo, telefonou para a polícia e relatou sua descoberta ao Delegado Armando Mourão, que efetuou a prisão de João, o “Monstro do Morumbi”.

Segundo entrevista com Dr. Mourão, João não foi julgado em Belém, foi preso entre 1971 e 1972, permanecendo por 2 a 3 anos. Então, São Paulo pediu o reencaminhamento dele para lá e o Delegado Euclides Freitas Filho o levou.

João era um cara de rosto afilado, bigode muito bem-cultivado, bem-aparado e media em torno de 1,70 ou 1,72 metro. As mulheres iam fazer visitas no presídio para vê-lo, inclusive para visita íntima.

Com o passar do tempo, começou a se mutilar. Enfiava pregos no corpo e quase perdeu o braço por causa de uma infecção. Ele queria ter a sensação de dor e não permitia que ninguém fizesse nenhum tipo de curativo ou tratamento nele. De tanta dor ele desmaiou e aproveitaram para levá-lo ao pronto-socorro.


INFÂNCIA

João Guerra Leitão era primogênito. Nascido no interior da Paraíba, de família pobre, seu pai faleceu aos 30 anos, de hanseníase, morte lenta e dolorosa assistida por toda a família. Segundo João, já conheceu o pai assim, inválido e “largando os pedaços”, como ele dizia. Era o responsável por higienizá-lo todos os dias, retirando suas carnes mortas que necrosavam nas lesões causadas pela doença. Exalava um mau cheiro difícil de suportar.

A mãe de João se prostituía para garantir o sustento da família, o que o envergonhava muito perante os vizinhos. Ela fingia que ia passear com João para atender seus clientes em matagais, portanto, João assistia muitas vezes a vida sexual da mãe. Após o falecimento do pai, a mãe passou a repudiar e castigar João com frequência. Foi brutalmente espancado quando, certa vez, aos 7 anos de idade, espiou a mãe num matagal atendendo a um cliente. Observou durante toda a infância a mãe com vários homens em matagais enquanto o pai apodrecia na cama. As surras eram tão frequentes que, desde essa idade (7 anos) passou a masturbar-se sempre.

Quando o pai morreu, a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde a mãe conheceu um homem chamado Severino que, volta e meia, levava outros homens para casa e, enquanto a mãe mantinha relações sexuais com uns, ele praticava sexo com outros. Certa vez, João foi mantido por 3 dias com braços e pernas amarrados, até que ele conseguiu se soltar sozinho.

Depois de seis meses de convivência, separou-se de Severino e amigou-se com Manoel, que não apreciava as crianças da casa. Aos 10 anos e algumas surras depois, foi internado na Escola XV de Novembro, uma instituição correcional, de onde fugiu depois de um ano de experiências amargas. Aos 11 anos estava solto e repudiado pela família, vendia balas na Central adquiridas com o dinheiro que ganhava pedindo esmolas, dormia no mato e, quando mais velho, fazia viagens a São Paulo e outros Estados. Em algumas épocas, vendia jornais para sobreviver.

Sua única irmã também foi expulsa de casa por ter engravidado e entrou para a prostituição. Isolava-se porque a presença de outras pessoas lhe causava medo, parava pouco nos empregos e não tinha paciência de ficar muito tempo num lugar só.

Teve problemas nos relacionamentos sexuais, pois, suas companheiras não suportavam ser maltratadas. Confessou aos médicos que obtinha orgasmo completo copulando com o cadáver de suas vítimas, dizendo que tamanho fogo subia pelo corpo, que chegava ao ponto de perder a consciência.

Adorava ver sangue e preferia manter relações sexuais com suas parceiras quando estavam menstruadas, além de gostar de fazer sexo com a vítima de carne “gelada”, pois, com a carne dura a mulher fica mais gostosa e a carne só ficava dura quando a mulher estava morta.

Queimava-se com pontas de cigarro no peito, nos braços e antebraços, o que relacionava aos símbolos da umbanda e, frequentemente, se cortava para oferecer seu sangue aos exus. Enfiava pregos nos braços porque a dor o deixava tão excitado que era obrigado a se masturbar pelo menos 4 vezes seguidas. Exercitava seu autocontrole sobre a dor enquanto enfiava os pregos ou se queimava e, a cada vez que sentia desconforto, vinha a necessidade de se masturbar novamente.

Apresentava alto grau de ansiedade, manifestava desejos suicidas por não suportar a hostilidade dos companheiros de prisão, tentando se matar ingerindo vidro moído e pedaços de gilete. Ao relatar seus crimes, o fazia com absoluta indiferença.

Diagnosticado com “personalidade psicopática do tipo sexual (necrófilo, sadomasoquista-fetichista), os psiquiatras o descreveram da seguinte forma: “no comportamento criminógeno do delinquente, raro e inusitado nos anais da criminalidade, se depara a sociedade com um indivíduo frio, calculista e bárbaro. Liquidando suas presas à semelhança animalesca, transcendendo a dignidade da pessoa, aviltando a sua inteligência e contrariando a lei de Deus e dos homens, em um autêntico festim singular de matança continuada”.

No exame realizado em São Paulo, em maio de 1975, concluíram o seguinte: o pai de José Paz Bezerra faleceu em 1952, de síndrome neurológica e paralisia intestinal, a mãe dele seria portadora de epilepsia, o avô paterno era portador de doença mental e teria se suicidado. Um tio materno era alcoolista inveterado e estava internado no Hospital Psiquiátrico de João Pessoa. José teria tido caxumba e afirmou ter sido usuário de maconha. Afirmou que, da surra aos 7 anos, teria sofrido um ferimento no couro cabeludo, o que ocasionou sua mudança de comportamento, e relatou problemas de insônia. Todos os psiquiatras pelo qual foi examinado o avaliaram como PERSONALIDADE PSICOPÁTICA.


JULGAMENTOS

Em 7 de junho de 1976, João foi condenado por 7 x 0, a 18 anos de reclusão, pelo assassinato de Cenira de Castro Camorim. Seu defensor, Osmar M. Gama, apelou da sentença, e foi submetida a novo júri em 29 de novembro de 1976, sendo absolvido por 5 x 2. O promotor Rubens Marchi apelou, mas o tribunal manteve a absolvição.

Em 14 de janeiro de 1977, foi condenado por 6 x 1 pelo assassinato de Vanda Pereira da Silva, a 18 anos de reclusão, acrescidos 8 anos por furto, mais medida de segurança, cancelada esta em 1984 com a reforma do Código Penal. Houve apelação mas a sentença foi mantida.

Em 26 de agosto de 1977, foi condenado por 4 x 3, a 13 anos de reclusão pelo homicídio de Nilza Alves Cardoso, acrescido de 1 ano de detenção pelos outros crimes. Teve como seu defensor Marcio Thomaz Bastos das acusações de homicídio, vilipêndio de cadáver e furto. Não houve apelação.

Em 24 de outubro de 1977, pelo assassinato de Wilma Negri, foi considerado culpado e sentenciado a 12 anos de reclusão acrescidos de medida de segurança.

Em 25 de março de 1980, foi absolvido do assassinato de Alzira Montenegro, por 7 x 0. Defendido por Vicente Fernandes Cascione, que colocou em dúvida a autoria do homicídio, juízo solicitou que fosse colhido sangue para tipagem sanguínea do acusado. O resultado foi O+. O promotor Walter de Almeida Guilherme, após os resultados terem sido divulgados, disse não estar convencido da culpabilidade do réu e clamou por sua absolvição, pois, na dúvida, pro reo, e conseguiu o seu intento.

João foi libertado em 24 de novembro de 2001.

Em posterior entrevista a um programa de televisão, com o rosto nas sombras para não ser identificado, João disse que sofreu muito na prisão, que achava errado ter matado todas aquelas mulheres e pediu perdão para os pais e parentes das vítimas que matou.

Em sua versão, todas as vítimas eram prostitutas e se pareciam com sua mãe. Relatou a infância de fome e abandono, afirmando que desde a mais tenra idade o mal estava “cristalizado”, pois, já pensava em roubar.

Disse que durante o tempo que ficou preso só estudou, e que nunca pensou em suicídio porque achava que seria covardia. Dali para a frente, tinha certeza de que seria um homem bom. Terminou seu relato dizendo: “Mães, cuidem de seus filhos!”

Em entrevista ao site Agora, quando da sua libertação, em 2001, José Paz Bezerra afirma ter matado pelo menos 24 mulheres, mas a justiça não conseguiu provas para incriminá-lo. Afirma estar recuperado e que tantos anos sem desfrutar a liberdade o fizeram repensar e mudar seu modo de agir (será!?).


Fonte: Serial Killer made in Brazil, de Ilana Casoy.

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