Nascido
em 15 de agosto de 1871, natural de Conquista, Minas Gerais e
solteiro. Os pais de José Augusto Amaral, escravos africanos do
Congo e de Moçambique, foram comprados pelo Visconde de Ouro Preto.
Foi liberto aos 17 anos, com a Lei Áurea.
Amaral
foi voluntário da Força Pública do Estado de São Paulo, mas
desertou. Era reincidente nesse tipo de atitude, que tomou em todos
os corpos militares onde serviu: Brigada Policial do Rio Grande do
Sul, Grupo de Artilharia Pesada em Bagé, Regimento de Infantaria de
Porto Alegre, 13º Regimento de Cavalaria do Rio de Janeiro. Chegou a
se alistar na Marinha, mas abandonou o compromisso logo em seguida.
Em
seu registro policial constam várias identificações para fins
militares, 3 prisões por vadiagem em SP (1920 e 1921), por
vagabundagem em Bauru e Santos (1922) e, nesse mesmo ano, por furto
em SP.
O
“Código Penal dos Estados Unidos do Brazil”, de 1890, em seu
artigo 399, foi muito utilizado para prender negros nessa época –
pós-escravatura, pois muitos não conseguiam se empregar
“oficialmente” e viviam de pequenos e eventuais trabalhos. Por
isso, Preto Amaral constava como pessoa de maus antecedentes, por
prática do que se denominava “contravenção”.
Preso
em 1927 pelo assassinato de Antônio Lemes, não demorou a confessar
os crimes anteriores. De acordo com suas declarações, os atos de
pederastia só eram praticados com a certeza da morte da vítima –
como se isso atenuasse sua culpa. Suas declarações foram feitas com
naturalidade e sem a menor demonstração de emoção, segundo os
relatos dos policiais e jornais da época.
Sem
hesitar, Amaral guiou os policiais até o Campo de Marte, em um local
próximo a um bambual, onde foi encontrada uma ossada humana e, mais
adiante, sob a ramagem de uma pequena moita ressequida, jazia o
cadáver de outro menino.
Mais
tarde, o pai de uma vítima sobrevivente – o menino “Rocco” –
procurou a polícia para contar o acontecido com seu filho no ano
anterior e o menino reconheceu Preto Amaral como seu agressor.
Outro
que compareceu à delegacia foi Antonio Manoel Neves Filho, 16 anos,
que quase caiu na armadilha de Amaral: abordado na rua Voluntários
da Pátria, seguiu Amaral até a Ponte Grande. Conseguiu fugir, por
sorte, quando estava no matagal. Também reconheceu Preto Amaral como
seu agressor.
Outra
vítima, Manoel Antonio Neves, 13 anos, contou ter sido convidado por
um negro de nariz recurvo para acompanhá-lo até a Estação da
Cantareira, para ajudá-lo a trazer um embrulho para o Campo de
Marte, recebendo mil réis pela ajuda. Depois de alguns minutos,
achou que tinha algo errado e resolveu fugir. Também reconheceu
Preto Amaral como o homem que o “contratou”.
A
polícia não conseguiu comprovar a culpa de Amaral em 5 outros casos
de desaparecimentos de crianças ocorridos na época.
Fotos do acervo da perícia |
Confirmadas
todas as declarações de homicídios de Amaral, que dizia sentir-se
mais aliviado com a confissão, não reconheceu ter abordado as
vítimas vivas que apareceram na delegacia. Dizia estar sendo
atormentado pelos fantasmas das vítimas todas as noites.
Submetido
a exames psiquiátricos, os médicos concluíram que se tratava de
criminoso sádico, necrófilo e pederasta, sendo a criança seu
objeto especial. Acreditam que, se não fosse sua confissão,
dificilmente os restos mortais de suas vítimas teriam sido
descobertos.
No
exame físico, constatou-se que seu órgão genital tinha um tamanho
descomunal e, segundo o próprio Amaral, uma “mulher da vida”
jamais o atendia 2 vezes. Atribuía esse fato a uma simpatia que fez
quando adolescente que, aconselhado por amigos, tinha marcado em uma
bananeira o tamanho desejado para seu pênis, com dois traços
riscados a faca. Ao perceber que seu pênis desenvolvia sem parar,
correu até a bananeira para modificar o traçado mas, como já era
tarde – a árvore cresceu demais e a distância do traçado também
– derrubou a mesma a machadadas na tentativa de interromper o
processo mas, segundo ele, o “encanto” permaneceu.
Tinha
as iniciais do nome da mãe, Francisca Claudia, tatuadas em seu braço
esquerdo desde os 14 anos. Era analfabeto, inteligente, tocava
instrumentos musicais de ouvido e tinha excelente memória. Era
ferreiro e cozinheiro. Morou em Minas, Espírito Santo, Bahia, Ceará,
Amazonas, Pará, Bolívia, Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul e,
por fim, São Paulo.
Alegava
ter alucinações depois do primeiro crime, nunca demonstrou
arrependimento e não se sabe se matou nos outros locais que morou.
Não refletia sobre suas ações; era impulsivo e não percebia nada
de anormal em seu comportamento.
Seu
diagnóstico médico-psiquiátrico, feito pelo ilustre psiquiatra
Antonio Carlos Pacheco e Silva, catedrático de psiquiatria da
Faculdade de Medicina de São Paulo, foi o seguinte:
“Trata-se,
a nosso ver, de um criminoso sádico e necrófilo, cuja perversão se
complica de pederose, em que a criança é o objeto especial e
exclusivo da disposição patológica. Teria habilidade de praticar
seus crimes sem ser descoberto.
Amaral
enquadrou-se no grupo dos pervertidos sexuais caracterizados por
aqueles que se encontram em permanente estado de hiperestesia sexual,
que, sob a influência dessa excitação, que é contínua e
mortificadora, são levados ao ato, mais ou menos automaticamente,
sem terem a capacidade de refletir e julgar o ato impulsivo.
Os
crimes dos sádicos-necrófilos são executados com relativa calma,
com prudência, de emboscada, e o criminoso age como se estivesse
praticando um ato normal.”
O
“Preto Amaral”, “Monstro Negro”, “Papão de Crianças”,
“Besta-Fera”, “Espigado” ou “Tucano”, como também foi
chamado, foi ficando cada vez mais debilitado enquanto estava na
cadeia. Emagreceu, tinha febre constante e dores reumáticas. Foi
removido para a enfermaria da Cadeia Pública, onde faleceu de
tuberculose pulmonar em 2 de julho de 1927, aos 55 anos, ainda sob
prisão preventiva. Nunca chegou a ser julgado.
OS
CRIMES
13
de fevereiro de 1926 - “Rocco” (apelido da vítima, usado para
proteger sua identidade), 9 anos.
Engraxate,
9 anos, trabalhava nas imediações da praça da Concórdia, próximo
ao Teatro Colombo, no Brás.
Um
homem alto, negro, aproxima-se e pede ajuda para carregar uma caixa
com roupas, serviço pelo qual pagaria 4 mil réis, o que foi aceito
de pronto pelo menino.
Rocco
seguiu o homem pela avenida Celso Garcia até a ponte sobre o rio
Tamanduateí, próximo a Estação Cantareira. Ao entrarem pela rua
João Theodoro, “Rocco” sentiu um frio no estômago ao ver-se
desprotegido pela pouca luz. De repente, o homem atacou o menino no
pescoço, tentando estrangulá-lo, até que Rocco, depois de muito
lutar, desmaiou. Julgando-o morto, o estranho arrastou Rocco para
debaixo da ponte, rasgou suas roupas e preparou-se para violentá-lo
quando um carro se aproximou e estacionou, o que afugentou o homem
desconhecido.
Ao
acordar, o menino machucado e enlameado, chegou até a rua e, duas
moças que passavam viram o menino e chamaram imediatamente a
polícia.
Aturdida
com a história contada pelo filho, a família não deu queixa à
polícia.
05
de dezembro de 1926 – Antonio Sanchez, 27 anos.
Descansando
sob as árvores da avenida Tiradentes, Antonio pensava em como faria
para comprar a refeição naquele dia. Tinha vindo de Barra Bonita,
interior de São Paulo, para trabalhar na capital. Antonio era
franzino, doente e um pouco afeminado, aparentando ter menos idade do
que seus 27 anos. Morava de aluguel na Lapa, mas não tinha como
arcar com as despesas; estava com fome e não tinha conseguido ganhar
dinheiro algum.
Abordado
por um homem desconhecido, negro e alto, que disse se chamar Preto
Amaral. Este lhe deu um cigarro e começaram a conversar sobre as
agruras da vida. Amaral chamou o rapaz para almoçar com ele no
Botequim do Cunha, que ficava em uma esquina da rua Teodoro Sampaio.
Depois
de ver o rapaz almoçar com prazer, Amaral convidou-o para ir com ele
até o Campo de Marte para ajudá-lo com um serviço e seria bem pago
por isso.
Ao
chegarem no Campo de Marte, em um local ermo, Amaral atacou Antonio
que, após lutar bastante, foi estrangulado. Ao ver o moço
desfalecido, abaixou-se para ouvir seu coração, violentou-o e fugiu
em seguida.
Véspera
de Natal de 1926 – José Felippe de Carvalho, 12 anos.
Morador
do Alto do Pari, às 16h brincava com seu estilingue caçando
passarinhos pela redondeza. Mais tarde, pediu permissão à mãe para
ir à missa de Natal da Igreja de Santo Antônio, que permitiu de
pronto, feliz com a religiosidade do filho.
Chovia
neste dia e, enquanto caminhava pelas proximidade do Canindé, José
Felippe avistou um homem vendendo balões de gás. Este homem lhe deu
um de presente, perguntou onde ele morava e reparou o estilingue que
o menino trazia no bolso. Então, comentou que em uma mata perto dali
havia um local com muitos passarinhos e que se ele quisesse
acompanhá-lo, poderia mostrar o local.
O
menino concordou, acompanhou Amaral até o Campo de Marte e, assim
como fez com Sanchez, atacou José, cometeu homicídio e, em seguida,
violentou-o.
Mais
tarde, desesperada, a mãe do menino saiu em busca de José e, como
no caso de Sanchez, seu corpo não foi localizado. Só dias depois
que José foi identificado pelas roupas, quando a mãe tomou
conhecimento através dos jornais de que a polícia havia encontrado
cadáveres de meninos sem identificação.
1º
de janeiro de 1927 – Antônio Lemes, 15 anos.
Operário
em uma fábrica de tecidos, Lemes saiu de casa pedindo à mãe que
guardasse seu almoço e que chegaria mais tarde, pois, faria um
serviço extra para uma senhora no bairro da Penha.
Enquanto
brincava com outros menores nas proximidades do Mercado Central,
Amaral avistou Lemes e convidou o garoto para almoçar com ele no
Restaurante Meio-Dia. O rapaz aceitou, então, comeram, beberam
vinho, e Amaral ofereceu-lhe 2 mil réis para que o acompanhasse até
a Penha para fazer um serviço.
Seguiram
para o largo do Mercado, tomaram o bonde e, no ponto final da linha,
seguiram a pé pela estrada de São Miguel. De vez em quando, paravam
em uns bares para Amaral tomar uns tragos.
Na
altura do km 39, Amaral pegou um atalho da estrada recém-construída
e, quando se afastaram o suficiente, enlaçou fortemente o braço
esquerdo de Lemes, esganando-o com a mão direita. Sem resistência,
Lemes desmaiou, então, Amaral enrolou um cinto de brim branco, de 85
cm de comprimento no pescoço de Lemes e apertou-o com o máximo de
força. Depois, tirou-lhe a calça, rasgou-lhe a camisa e fez sexo
com o cadáver. O corpo de Antonio foi encontrado no dia seguinte.
Ao
iniciarem as investigações, na área do Mercado, alguém disse
tê-lo visto na companhia de um homem negro e investigaram todos os
homens com antecedentes de pederastia – pois, Lemes havia sido
sodomizado. A testemunha Roque Siqueira viu um adulto pagando algum
dinheiro ao garoto e disse à polícia que o sujeito era conhecido
nas imediações como um vagabundo que vivia da exploração do jogo
de cartas naquela redondeza.
Não
demoraram muito a chegar em Preto Amaral.
CONCLUSÃO
DO CASO
Em
1926, época dos crimes de Preto Amaral, os grande nomes da
criminologia estavam extremamente influenciados pela escola
positivista, para a qual “o infrator era um prisioneiro de sua
própria patologia (determinismo biológico), ou de processos causais
alheios (determinismo social)”. Segundo eles, “o infrator era um
escravo de sua carga hereditária: um animal selvagem e perigoso, que
tinha uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades, havia
nascido criminoso”.
Condenado,
antes mesmo de ser julgado, nesse contexto preconceituoso, Preto
Amaral é conhecido como o “primeiro serial killer do Brasil”.
A
discussão sobre a culpabilidade de Amaral nos assassinatos de
crianças em SP se dá, de forma ampla, na tese do Dr. Paulo Fernando
de Souza Campos – “Os crimes de Preto Amaral: Representações da
Degenerescência em São Paulo – 1920”, apresentada à Faculdade
de Ciências e Letras (UNESP) em 2003 (link para a tese:
http://sdrv.ms/XYaAJX).
De
fato, existe coerência entre o histórico e os achados nos exames
médicos na época com a possibilidade de José Augusto do Amaral ser
um assassino em série:
1.
antecedentes de doença mental, deduzidos pela internação de 3
meses no Hospício de Alienados de Porto Alegre, depois de episódio
de “ausência mental”;
2.
Amaral era solitário e sem endereço fixo, vivia em albergues,
praças públicas e pensões;
3.
Desertou, por várias vezes, de instituições militares,
demonstrando problemas em relação à disciplina;
4.
O tamanho e o calibre de seu pênis eram completamente anômalos, o
que certamente lhe causou problemas sexuais;
5.
Amaral era andarilho, vivia em peregrinação pelo país afora.
Residiu em Ouro Preto e Vitória, e consta, no processo-crime, sua
passagem pela Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Bolívia, Argentina,
Uruguai, Rio Grande do Sul e São Paulo;
6.
Tem antecedentes criminais;
7.
Levou a polícia até os restos mortais de Antonio Sanchez e José
Fellipe de Carvalho;
8.
Foi reconhecido na delegacia, por 3 vítimas que alegavam ter
sobrevivido ao seu ataque;
9.
Os assassinatos se deram no mesmo local e da mesma forma;
10.
Os assassinatos pararam depois de sua prisão.
Fonte:
Serial Killers, made in Brazil, de Ilana Casoy.
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