quinta-feira, 24 de outubro de 2013

JOSÉ AUGUSTO DO AMARAL, o "Preto Amaral"



Nascido em 15 de agosto de 1871, natural de Conquista, Minas Gerais e solteiro. Os pais de José Augusto Amaral, escravos africanos do Congo e de Moçambique, foram comprados pelo Visconde de Ouro Preto. Foi liberto aos 17 anos, com a Lei Áurea.

Amaral foi voluntário da Força Pública do Estado de São Paulo, mas desertou. Era reincidente nesse tipo de atitude, que tomou em todos os corpos militares onde serviu: Brigada Policial do Rio Grande do Sul, Grupo de Artilharia Pesada em Bagé, Regimento de Infantaria de Porto Alegre, 13º Regimento de Cavalaria do Rio de Janeiro. Chegou a se alistar na Marinha, mas abandonou o compromisso logo em seguida.

Em seu registro policial constam várias identificações para fins militares, 3 prisões por vadiagem em SP (1920 e 1921), por vagabundagem em Bauru e Santos (1922) e, nesse mesmo ano, por furto em SP.

O “Código Penal dos Estados Unidos do Brazil”, de 1890, em seu artigo 399, foi muito utilizado para prender negros nessa época – pós-escravatura, pois muitos não conseguiam se empregar “oficialmente” e viviam de pequenos e eventuais trabalhos. Por isso, Preto Amaral constava como pessoa de maus antecedentes, por prática do que se denominava “contravenção”.

Preso em 1927 pelo assassinato de Antônio Lemes, não demorou a confessar os crimes anteriores. De acordo com suas declarações, os atos de pederastia só eram praticados com a certeza da morte da vítima – como se isso atenuasse sua culpa. Suas declarações foram feitas com naturalidade e sem a menor demonstração de emoção, segundo os relatos dos policiais e jornais da época.


Sem hesitar, Amaral guiou os policiais até o Campo de Marte, em um local próximo a um bambual, onde foi encontrada uma ossada humana e, mais adiante, sob a ramagem de uma pequena moita ressequida, jazia o cadáver de outro menino.

Mais tarde, o pai de uma vítima sobrevivente – o menino “Rocco” – procurou a polícia para contar o acontecido com seu filho no ano anterior e o menino reconheceu Preto Amaral como seu agressor.

Outro que compareceu à delegacia foi Antonio Manoel Neves Filho, 16 anos, que quase caiu na armadilha de Amaral: abordado na rua Voluntários da Pátria, seguiu Amaral até a Ponte Grande. Conseguiu fugir, por sorte, quando estava no matagal. Também reconheceu Preto Amaral como seu agressor.

Outra vítima, Manoel Antonio Neves, 13 anos, contou ter sido convidado por um negro de nariz recurvo para acompanhá-lo até a Estação da Cantareira, para ajudá-lo a trazer um embrulho para o Campo de Marte, recebendo mil réis pela ajuda. Depois de alguns minutos, achou que tinha algo errado e resolveu fugir. Também reconheceu Preto Amaral como o homem que o “contratou”.

A polícia não conseguiu comprovar a culpa de Amaral em 5 outros casos de desaparecimentos de crianças ocorridos na época.

Fotos do acervo da perícia

Confirmadas todas as declarações de homicídios de Amaral, que dizia sentir-se mais aliviado com a confissão, não reconheceu ter abordado as vítimas vivas que apareceram na delegacia. Dizia estar sendo atormentado pelos fantasmas das vítimas todas as noites.

Submetido a exames psiquiátricos, os médicos concluíram que se tratava de criminoso sádico, necrófilo e pederasta, sendo a criança seu objeto especial. Acreditam que, se não fosse sua confissão, dificilmente os restos mortais de suas vítimas teriam sido descobertos.

No exame físico, constatou-se que seu órgão genital tinha um tamanho descomunal e, segundo o próprio Amaral, uma “mulher da vida” jamais o atendia 2 vezes. Atribuía esse fato a uma simpatia que fez quando adolescente que, aconselhado por amigos, tinha marcado em uma bananeira o tamanho desejado para seu pênis, com dois traços riscados a faca. Ao perceber que seu pênis desenvolvia sem parar, correu até a bananeira para modificar o traçado mas, como já era tarde – a árvore cresceu demais e a distância do traçado também – derrubou a mesma a machadadas na tentativa de interromper o processo mas, segundo ele, o “encanto” permaneceu.

Tinha as iniciais do nome da mãe, Francisca Claudia, tatuadas em seu braço esquerdo desde os 14 anos. Era analfabeto, inteligente, tocava instrumentos musicais de ouvido e tinha excelente memória. Era ferreiro e cozinheiro. Morou em Minas, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Bolívia, Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul e, por fim, São Paulo.

Alegava ter alucinações depois do primeiro crime, nunca demonstrou arrependimento e não se sabe se matou nos outros locais que morou. Não refletia sobre suas ações; era impulsivo e não percebia nada de anormal em seu comportamento.

Seu diagnóstico médico-psiquiátrico, feito pelo ilustre psiquiatra Antonio Carlos Pacheco e Silva, catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo, foi o seguinte:

Trata-se, a nosso ver, de um criminoso sádico e necrófilo, cuja perversão se complica de pederose, em que a criança é o objeto especial e exclusivo da disposição patológica. Teria habilidade de praticar seus crimes sem ser descoberto.
Amaral enquadrou-se no grupo dos pervertidos sexuais caracterizados por aqueles que se encontram em permanente estado de hiperestesia sexual, que, sob a influência dessa excitação, que é contínua e mortificadora, são levados ao ato, mais ou menos automaticamente, sem terem a capacidade de refletir e julgar o ato impulsivo.
Os crimes dos sádicos-necrófilos são executados com relativa calma, com prudência, de emboscada, e o criminoso age como se estivesse praticando um ato normal.”


O “Preto Amaral”, “Monstro Negro”, “Papão de Crianças”, “Besta-Fera”, “Espigado” ou “Tucano”, como também foi chamado, foi ficando cada vez mais debilitado enquanto estava na cadeia. Emagreceu, tinha febre constante e dores reumáticas. Foi removido para a enfermaria da Cadeia Pública, onde faleceu de tuberculose pulmonar em 2 de julho de 1927, aos 55 anos, ainda sob prisão preventiva. Nunca chegou a ser julgado.


OS CRIMES

13 de fevereiro de 1926 - “Rocco” (apelido da vítima, usado para proteger sua identidade), 9 anos.

Engraxate, 9 anos, trabalhava nas imediações da praça da Concórdia, próximo ao Teatro Colombo, no Brás.
Um homem alto, negro, aproxima-se e pede ajuda para carregar uma caixa com roupas, serviço pelo qual pagaria 4 mil réis, o que foi aceito de pronto pelo menino.
Rocco seguiu o homem pela avenida Celso Garcia até a ponte sobre o rio Tamanduateí, próximo a Estação Cantareira. Ao entrarem pela rua João Theodoro, “Rocco” sentiu um frio no estômago ao ver-se desprotegido pela pouca luz. De repente, o homem atacou o menino no pescoço, tentando estrangulá-lo, até que Rocco, depois de muito lutar, desmaiou. Julgando-o morto, o estranho arrastou Rocco para debaixo da ponte, rasgou suas roupas e preparou-se para violentá-lo quando um carro se aproximou e estacionou, o que afugentou o homem desconhecido.
Ao acordar, o menino machucado e enlameado, chegou até a rua e, duas moças que passavam viram o menino e chamaram imediatamente a polícia.
Aturdida com a história contada pelo filho, a família não deu queixa à polícia.


05 de dezembro de 1926 – Antonio Sanchez, 27 anos.

Descansando sob as árvores da avenida Tiradentes, Antonio pensava em como faria para comprar a refeição naquele dia. Tinha vindo de Barra Bonita, interior de São Paulo, para trabalhar na capital. Antonio era franzino, doente e um pouco afeminado, aparentando ter menos idade do que seus 27 anos. Morava de aluguel na Lapa, mas não tinha como arcar com as despesas; estava com fome e não tinha conseguido ganhar dinheiro algum.
Abordado por um homem desconhecido, negro e alto, que disse se chamar Preto Amaral. Este lhe deu um cigarro e começaram a conversar sobre as agruras da vida. Amaral chamou o rapaz para almoçar com ele no Botequim do Cunha, que ficava em uma esquina da rua Teodoro Sampaio.
Depois de ver o rapaz almoçar com prazer, Amaral convidou-o para ir com ele até o Campo de Marte para ajudá-lo com um serviço e seria bem pago por isso.
Ao chegarem no Campo de Marte, em um local ermo, Amaral atacou Antonio que, após lutar bastante, foi estrangulado. Ao ver o moço desfalecido, abaixou-se para ouvir seu coração, violentou-o e fugiu em seguida.


Véspera de Natal de 1926 – José Felippe de Carvalho, 12 anos.

Morador do Alto do Pari, às 16h brincava com seu estilingue caçando passarinhos pela redondeza. Mais tarde, pediu permissão à mãe para ir à missa de Natal da Igreja de Santo Antônio, que permitiu de pronto, feliz com a religiosidade do filho.
Chovia neste dia e, enquanto caminhava pelas proximidade do Canindé, José Felippe avistou um homem vendendo balões de gás. Este homem lhe deu um de presente, perguntou onde ele morava e reparou o estilingue que o menino trazia no bolso. Então, comentou que em uma mata perto dali havia um local com muitos passarinhos e que se ele quisesse acompanhá-lo, poderia mostrar o local.
O menino concordou, acompanhou Amaral até o Campo de Marte e, assim como fez com Sanchez, atacou José, cometeu homicídio e, em seguida, violentou-o.
Mais tarde, desesperada, a mãe do menino saiu em busca de José e, como no caso de Sanchez, seu corpo não foi localizado. Só dias depois que José foi identificado pelas roupas, quando a mãe tomou conhecimento através dos jornais de que a polícia havia encontrado cadáveres de meninos sem identificação.


1º de janeiro de 1927 – Antônio Lemes, 15 anos.

Operário em uma fábrica de tecidos, Lemes saiu de casa pedindo à mãe que guardasse seu almoço e que chegaria mais tarde, pois, faria um serviço extra para uma senhora no bairro da Penha.
Enquanto brincava com outros menores nas proximidades do Mercado Central, Amaral avistou Lemes e convidou o garoto para almoçar com ele no Restaurante Meio-Dia. O rapaz aceitou, então, comeram, beberam vinho, e Amaral ofereceu-lhe 2 mil réis para que o acompanhasse até a Penha para fazer um serviço.
Seguiram para o largo do Mercado, tomaram o bonde e, no ponto final da linha, seguiram a pé pela estrada de São Miguel. De vez em quando, paravam em uns bares para Amaral tomar uns tragos.
Na altura do km 39, Amaral pegou um atalho da estrada recém-construída e, quando se afastaram o suficiente, enlaçou fortemente o braço esquerdo de Lemes, esganando-o com a mão direita. Sem resistência, Lemes desmaiou, então, Amaral enrolou um cinto de brim branco, de 85 cm de comprimento no pescoço de Lemes e apertou-o com o máximo de força. Depois, tirou-lhe a calça, rasgou-lhe a camisa e fez sexo com o cadáver. O corpo de Antonio foi encontrado no dia seguinte.

Ao iniciarem as investigações, na área do Mercado, alguém disse tê-lo visto na companhia de um homem negro e investigaram todos os homens com antecedentes de pederastia – pois, Lemes havia sido sodomizado. A testemunha Roque Siqueira viu um adulto pagando algum dinheiro ao garoto e disse à polícia que o sujeito era conhecido nas imediações como um vagabundo que vivia da exploração do jogo de cartas naquela redondeza.
Não demoraram muito a chegar em Preto Amaral.


CONCLUSÃO DO CASO

Em 1926, época dos crimes de Preto Amaral, os grande nomes da criminologia estavam extremamente influenciados pela escola positivista, para a qual “o infrator era um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico), ou de processos causais alheios (determinismo social)”. Segundo eles, “o infrator era um escravo de sua carga hereditária: um animal selvagem e perigoso, que tinha uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades, havia nascido criminoso”.

Condenado, antes mesmo de ser julgado, nesse contexto preconceituoso, Preto Amaral é conhecido como o “primeiro serial killer do Brasil”.

A discussão sobre a culpabilidade de Amaral nos assassinatos de crianças em SP se dá, de forma ampla, na tese do Dr. Paulo Fernando de Souza Campos – “Os crimes de Preto Amaral: Representações da Degenerescência em São Paulo – 1920”, apresentada à Faculdade de Ciências e Letras (UNESP) em 2003 (link para a tese: http://sdrv.ms/XYaAJX).

De fato, existe coerência entre o histórico e os achados nos exames médicos na época com a possibilidade de José Augusto do Amaral ser um assassino em série:

1. antecedentes de doença mental, deduzidos pela internação de 3 meses no Hospício de Alienados de Porto Alegre, depois de episódio de “ausência mental”;
2. Amaral era solitário e sem endereço fixo, vivia em albergues, praças públicas e pensões;
3. Desertou, por várias vezes, de instituições militares, demonstrando problemas em relação à disciplina;
4. O tamanho e o calibre de seu pênis eram completamente anômalos, o que certamente lhe causou problemas sexuais;
5. Amaral era andarilho, vivia em peregrinação pelo país afora. Residiu em Ouro Preto e Vitória, e consta, no processo-crime, sua passagem pela Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Bolívia, Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul e São Paulo;
6. Tem antecedentes criminais;
7. Levou a polícia até os restos mortais de Antonio Sanchez e José Fellipe de Carvalho;
8. Foi reconhecido na delegacia, por 3 vítimas que alegavam ter sobrevivido ao seu ataque;
9. Os assassinatos se deram no mesmo local e da mesma forma;
10. Os assassinatos pararam depois de sua prisão.

Fonte: Serial Killers, made in Brazil, de Ilana Casoy.


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