Karla Homolka e Paul Bernardo
(foto na mesa: Tammy Homolka - irmã de Karla)
HISTÓRIA
Paul
Bernardo nasceu em 27 de agosto de 1964, numa família de classe
média que morava no bairro de Scarborough, em Toronto. Tinha dois
irmãos mais velhos e um pai violento, que suspeitava abusar
sexualmente da própria filha. Sua mãe, vitimada por uma severa
depressão, abandonou a família para viver isolada no porão da
casa.
Foi
só na adolescência que Paul descobriu ser filho ilegítimo do pai,
resultado de um caso amoroso da mãe com um antigo namorado. O efeito
da revelação foi devastador para o jovem que, até então, parecia
ser o modelo do bom menino. Passou a odiar a mãe, que entendia ser
uma vagabunda por trair o pai. Já odiava o pai, que considerava um
pervertido sexual.
Saiu
do escotismo, que era seu hobby, para juntar-se aos bad boys da
vizinhança, rapazes do tipo machões e infratores. Passou a detestar
mulheres, que tratava com desprezo e enganação. Vivia em bares, que
frequentava todas as noites, e começou a desenvolver obscuras
fantasias sexuais na mesma época em que começou a cursar a
Universidade de Toronto. Sua preferência agora era por mulheres
submissas e por sexo anal forçado; humilhava suas parceiras
publicamente e as espancava em particular. Parecia se vingar de todo
sexo feminino em cada mulher com quem se envolvia.
Como
não encontrava emprego em que ganhasse o suficiente para manter seus
caros prazeres, começou a contrabandear cigarros pela fronteira do
Canadá com os Estados Unidos.
Quando
se formou foi contratado pela Price Waterhouse como contador júnior
e vivia uma época sem namoradas, pois elas estavam cansadas de serem
amarradas e espancadas. Em outubro de 1987, encontrou a garota de
seus sonhos, Karla Homolka.
Karla
Homolka nasceu em 4 de maio de 1970 em Port Credit, subúrbio de
Toronto. Tinha duas irmãs mais novas, Lori e Tammy. Era assistente
de veterinária, boa aluna, e seus planos consistiam em casar-se com
um jovem rico. Ficou completamente apaixonada por Paul Bernardo
quando o conheceu e com quem passou a ter um relacionamento de
verdadeira obsessão.
Todos
notaram a mudança de comportamento da jovem depois do começo do
namoro. Ela agora era extremamente submissa aos desejos do parceiro ,
que mantinha controle absoluto sobre o que ela dizia, vestia ou
ouvia. Karla até mesmo desistiu de fazer faculdade, pois pretendia
se casar e ter filhos.
Em
1990, depois de ficarem noivos, os pais de Karla propuseram que
Bernardo se mudasse para a casa deles, realizando o maior sonho de
sua filha: ver o noivo mais que duas vezes por semana, visto que ele
morava longe. Paul, sem perda de tempo, foi viver na casa da família
Homolka.
Karla,
então com 17 anos, encorajava o comportamento sádico de Paul, então
com 23 anos, chegando ao ponto de ficar feliz com a revelação de
que ele cometia estrupos ocasionais. Tudo o que a moça almejava era
fazer o namorado “feliz”, e não teve problemas em acompanhá-lo
nos crimes sexuais que ele cometia.
As
coisas se complicaram quando o mais novo objeto de desejo de Paul
passou a ser a irmã caçula de Karla, a menina Tammy. Os dois
estavam cada vez mais unidos, Paul e Tammy, para desespero de Karla.
Parcialmente excluída, ela ficou feliz ao concordar com a fantasia
de Paul: promover seu encontro com a irmã mais nova, sem que ela
soubesse ou consentisse, para que ele lhe “tirasse a virgindade”.
Seria seu presente de casamento para o marido.
O PRIMEIRO CRIME
Decidiram
usar halotano (substância química utilizada em anestesias locais,
através de aspiração. Este anestésico é duas vezes mais forte
que clorofórmio e quatro vezes mais forte que éter.), anestésico
inalado por animais antes de cirurgias. Como seu trabalho a fazia ter
conhecimentos básicos sobre sedativos utilizados em animais, além
de ter total acesso a eles na clinica veterinária na qual era
empregada, foi fácil conseguir o necessário para dopar Tammy. O
difícil era estabelecer a dose exata a ser utilizada para a irmã
não reagisse ao estupro.
O
plano era que Karla colocasse o anestésico numa roupa e a segurasse
sobre a face da irmã, mas acompanharia seus sinais respiratórios.
Era realmente o plano para um “estupro assistido”.
No
natal daquele ano, Paul filmou com sua câmera o jantar de Natal da
família Homolka. Deu a Tammy vários aperitivos com o sedativo
diluído neles. Os efeitos da droga e doa álcool foram rápidos: ela
logo estava adormecida no sofá. Quando os outros familiares foram se
deitar, Karla e Paul começaram a “trabalhar” Tammy.
A
ação foi filmada durante todo o tempo em que a menina foi estuprada
via vaginal e anal. Enquanto Karla segurava o anestésico sobre a
face da irmã, Paul ordenava que ela também fizesse carinhos sexuais
nela. De repente Tammy vomitou. Karla achou que sabia o que fazer e
levantou a irmã de cabeça para baixo, tentando limpar assim sua
garganta. Tammy entrou em choque. Assustados com o imprevisto e sem
sucesso nas tentativas de ressucitação de Tammy, eles a vestiram,
esconderam as drogas e a câmera e chamaram uma ambulância. Os pais
só souberam que havia algo errado quando a sirene chegou a sua porta
e cinicamente foram levados a acreditar que a filha morreu de um
choque acidental, causado por seu próprio vômito.
Paul
acabou acusando Karla pela morte da irmã. Agora a menina não estava
mias disponível para ele, e necessitava que a namorada fizesse uma
reposição, alguém bem jovem e virgem. A procura por novos
“presentes” daria início à carreira de homicídios do
casal.
Foto de Tammy Homolka tirada após sua morte no Hospital Geral
Santa Catharina, na manhã de 25 de dezembro de 1990.
Os legistas acharam que a morte foi acidental e fecharam o
caso 3 meses depois.
OUTROS CRIMES
Em
14 de junho de 1991, Leslie Mahaffy, 14 anos, desapareceu. Quinze
dias depois um casal de pescadores encontrou o corpo da garota no
lago Gibson, quando uma represa foi aberta e baixou o nível da água
naquele local em três ou quatro metros. Perto do limite da água,
eles repararam num bloco quebrado de concreto, e dentro de um pequeno
reservatório criado pelo próprio bloco sobre uma laje, encontraram
pernas. A polícia foi chamada, e nas buscas subsequentes foram
encontrados cinco blocos de concreto envolvendo as partes de um corpo
na área rasa do lago. Quem quer que tenha feito o serviço, não
estava familiarizado com a área. Do contrário, teria jogado os
blocos de concreto com o corpo por sobre a ponte, onde as águas eram
mais profundas, desse modo encobrindo os restos mortais para
sempre.
As
primeiras partes do corpo da vítima a serem encontradas foram suas
pernas e pés. Depois, seu torso e braços, todos cortados com uma
potente serra, noutro ponto do lago. Os característicos
suspensórios, “marca registrada” de Leslie, possibilitaram sua
identificação antes que sua cabeça fosse localizada e a arcada
dentária identificada positivamente.
Em
julho, Rachel Ferron, de 21 anos, estava a caminho de casa, dirigindo
pelas desertas ruas de St.Catharines, às 2h da madrugada.
Ultrapassou um Nissan esporte dourado, que ia em direção contrária.
Com espanto, pelo espelho retrovisor, observou o carro fazer meia
volta e começar a segui-la. Ao virar na rua de sua casa, o carro
seguiu em frente. Rachel ficou aliviada; poderia ter sido apenas
impressão. Uma semana depois, o Nissan reapareceu. Desta vez, Rachel
ia para a casa do namorado, que não estava. Seguiu para a locadora
de vídeos onde ele trabalhava. Ao chegar, tomou nota da descrição
do carro e da placa: 660 HFH. Na mesma noite, quando Rachel voltou à
casa do namorado, o Nissan dourado ainda a estava seguindo. Ela
permaneceu no automóvel, com as portas travadas e as janelas
fechadas, até que seu namorado chegasse em casa. Assim que chegou,
imediatamente percebeu um estranho espreitando o carro de Rachel
atrás de uns arbustos e resolveu ir até ele para questioná-lo, mas
o homem fugiu. Desta vez, Rachel não ficou calada. O casal parou uma
radiopatrulha e informou o policial sobre o acontecido, entregando a
placa do veículo que a tinha seguido. Ele levantou os dados no
computador rapidamente. O carro estava registrado no nome de Paul
Kenneth Bernardo, um Nissan 240SX. A polícia não deu muita atenção
ao caso. Estavam ocupadíssimos com a investigação do assassinato
de Leslie Mahaffy.
Em
30 de novembro, a garota Terri Anderson, 14 anos, desapareceu. Ela
saiu de casa para andar três quarteirões até a escola onde
estudava e nunca mais foi vista.
Em
29 de março de 1992, por volta da meia-noite, Lori Lazurak e Tania
Berges estavam sentadas numa cafeteria quando se viram sendo filmadas
por uma pessoa que dirigia um carro esporte dourado e passava por
elas repetidas vezes. Um mês depois, em 18 de abril, Lazurak estava
dirigindo pela rua Martindale, em St. Catherines, quando viu o carro
suspeito novamente. Resolveu segui-lo, e antes de perdê-lo de vista
anotou a placa: 660 HFH. Reportou os estranhos fatos à polícia, mas
o caso não foi levado adiante. Estavam outra vez envolvidos numa
investigação muito mais séria: o desaparecimento de Kristen
French, em 16 de abril, uma garota muito popular que tinha sido
raptada do estacionamento de uma igreja luterana, ao lado da escola
em que Terri Anderson estudava. Somente os sapatos da menina foram
encontrados, abandonados no estacionamento.
Em
30 de abril, o corpo de Kristen foi encontrado numa vala. Estava nua,
mas não desmembrada como Leslie, o que levou os investigadores a
acreditar que os dois assassinatos de adolescentes não estavam
interligados. O cabelo de Kristen tinha sido tosado, num claro sinal
de degradação e subjugação da vítima.
Em
23 de maio, o corpo de Terri Anderson foi encontrado dentro d’água
em Port Dalhousie, seis meses após seu desaparecimento. O legista
não verificou nada estranho na necropsia daquele corpo que estivera
mergulhado por tanto tempo. A causa da morte foi declarada
oficialmente como afogamento, em consequência da combinação de
cerveja e LSD. A mãe da menina negou veementemente a possibilidade
de a filha ter consumido álcool e drogas, que a teriam feito entrar
nas águas geladas do lago em pleno inverno canadense.
Os
crimes tinham acontecido na região de St. Catharines, e as
investigações eram da alçada da polícia de Niagara Falls. Depois
da morte de Kristen French, o governo de Ontário montou uma força
tarefa, com direito a linha direta e base de operações.
Especialistas forenses e o FBI se uniram para descobrir o
assassino.
Nas
entrevistas sobre o desaparecimento de Kristen, uma mulher
testemunhou ter visto uma luta dentro de um carro, no estacionamento
da igreja luterana. Não muito familiarizada com marcas de veículos,
a senhora achou que fosse um Camaro ou Firebird, cor creme. O
detetive Vince Bevan, responsável pelas investigações,
concentrou-se em levantar dados sobre todos os Camaros da
região.
Retrato falado de Paul
Neste
meio tempo, o nome de Paul Bernardo apareceu outra vez nas
investigações e dois policiais foram até a casa dele para
entrevistá-lo. Ele foi extremamente simpático. Disse que tinha sido
suspeito no caso do Estuprador de Scarborough devido à sua
semelhança física com o retrato falado. A polícia notou que aquele
homem tinha muito boa aparência, era inteligente e cooperativo, além
do fato de sua casa ser limpa e organizada. Também notaram que seu
carro era um Nissan, que não se parecia em nada com um Camaro, na
cabeça daqueles investigadores, diferente do que a testemunha havia
achado. Mesmo assim resolveram fazer um trabalho completo e
contataram Steve Irwin, em Toronto, para saber dos resultados das
investigações do caso do Estuprador de Scarborough. Oito dias
depois, o detetive Irwin respondeu a mensagem: os testes finais das
amostras de sangue e saliva de Paul Bernardo não haviam sido feitos;
tecnicamente ele ainda era um suspeito. Irwin mandou para a força
tarefa algumas informações sobre o caso, mas negligenciou as
entrevistas com amigos de Paul e o caso Jennifer Galligan. Não foi
desta vez ainda que Bernardo seria suspeito dos homicídios que
estavam acontecendo em Ontário.
Se
tivessem se aprofundado nas investigações, descobririam fatos no
mínimo interessantes. Dos 16 ataques do Estuprador de Scarborough,
oito tinham sido brutais. Todos ocorreram entre maio de 1987 e maio
de 1990, nas proximidades do Metro Toronto, onde Bernardo morou com a
esposa até abril de 1991. Neste mês o casal mudou-se para Port
Dalhousie, em St. Catharines, onde os crimes de homicídio
aconteceram.
Vítimas
FECHANDO O CERCO - A PRISÃO DO CASAL
Em
janeiro de 1993, Karla Homolka, esposa de Paul Bernardo, procurou
abrigo na casa de uma amiga depois que seu marido a espancou. Como o
marido desta amiga era policial em Toronto, informou a polícia de
Niagara, que levou Karla para o hospital imediatamente. Em fevereiro,
as investigações se intensificaram. As polícias de Toronto e
Ontário quiseram entrevistar Karla, tiraram suas impressões
digitais e a questionaram sobre seu relógio de pulso com o
personagem Mickey Mouse, muito similar ao relógio desaparecido de
Kristen French.
Foi
também nesse mês, depois de tomar conhecimento do espancamento de
Karla, que o detetive Irwin pediu que o laboratório forense
examinasse as amostras de sangue, saliva e sêmen de Paul Bernardo.
Os testes foram conclusivos combinavam 100% com aquelas recolhidas
das três vítimas do Estuprador de Scarborough. Paul Bernardo foi
imediatamente colocado sob vigilância.
Depois
de ser interrogada por quase cinco horas, Karla percebeu que a
polícia já tinha somado dois com dois e ligado o caso do Estuprador
de Scarborough com os assassinatos em St. Catherines. Ela estava
apavorada e contou a um tio, disposto a ajudar, que o marido era um
estuprador e que tinha assassinado Kristen French e Leslie
Mahaffy.
Um
advogado foi contratado, George Walker, que, percebendo o
envolvimento de sua cliente até o pescoço nos homicídios, adotou a
estratégia de barganhar algum tipo de imunidade para ela em troca de
total cooperação com a polícia.
No
meio do mês de fevereiro, Paul Bernardo foi preso pelos estupros em
Scaborough e pelos assassinatos de Mahaffy e French. Enquanto isso,
Karla se afundava no consumo abusivo de analgésicos e álcool. No
dia 19 desse mesmo mês, a polícia executou o mandado de busca na
casa do casal, onde várias evidências foram encontradas. Paul tinha
escrito um diário onde contava detalhes de cada estupro que
cometera, além de possuir uma coleção de livros e vídeos sobre
desvios sexuais, pornografia e serial killers. A polícia também
encontrou um vídeo caseiro, onde Karla aparecia em relações
lésbicas com outras duas mulheres.
Uma
semana depois, o advogado George Walker tentou um acordo para sua
cliente: ela pegaria doze anos de prisão por cada uma das duas
vítimas, com as sentenças cumpridas simultaneamente. Estaria
elegível para livramento condicional em três anos, por bom
comportamento. Ninguém questionou, pois seu testemunho contra Paul
Bernardo era importantíssimo. Os advogados ainda conseguiram acordar
que Karla não cumprisse sua pena numa prisão comum, e sim em um
hospital psiquiátrico. Em troca, contaria toda a verdade sobre seu
envolvimento nos crimes e tudo o que sabia sobre eles.
Em
março, Karla foi internada em um hospital para ser devidamente
tratada e medicada. Dali escreveu uma importante carta para seus
pais, em que confessava o assassinato de sua irmã pelas próprias
mãos, numa brincadeira macabra do casal. Tammy Homolka tinha sido a
primeira vítima de homicídio do casal letal.
PROVAS E JULGAMENTOS
Tanto
Leslie Mahaffy quanto Kristen French passaram por cativeiro e tortura
sexual antes de morrer. Todas as ações foram filmadas por Paul
Bernardo, com participação ativa de Karla Homolka. Eles seguiam um
elaborado roteiro, como se fosse mesmo uma produção cinematográfica
pornográfica.
Fitas
de vídeo foram encontradas pela polícia, mas aquelas em que os
crimes de homicídio estariam registrados desapareceram ou nunca
existiram. Quatro policiais vasculharam minuciosamente a casa de
Bernardo e Homolka. Quebraram o chão de concreto, removeram painéis,
checaram o esgoto, os dutos e móveis fixos, cortaram carpetes,
roupas, vasculharam cartas, e nada. Sem as fitas, Karla Homolka era a
única arma apontada contra Paul Bernardo.
Outras
evidências encontradas na casa não foram aceitas como provas: uma
cópia do controverso livro de Bret Easton Ellis, Psicopata
Americano, que narra a história de um loiro, narcisista, homem de
negócios de 20 e poucos anos, que rapta, tortura e estupra jovens
meninas; o livro Perfect Victim, a verdadeira história de um homem
na Califórnia que raptou uma moça de 20 anos, a brutalizou e a
manteve como sua escrava sexual por sete anos; uma fita de rap de
autoria de Bernardo, chamada Inocência Mortal, na qual as letras são
lúgubres lembranças de seus crimes.
O
julgamento de Karla Homolka foi um circo para a mídia. Ela foi
descrita como impassível. Seu psicólogo, dr. Malcom, concluiu seu
depoimento dizendo que Karla sabia o que estava acontecendo, mas se
achava impotente e incapaz de se defender. Em sua opinião, a ré
estava paralisada pelo medo, permanecendo obediente e subserviente ao
marido, que a espancava.
O juiz aceitou o acordo proposto pelos advogados de Karla. Seu depoimento seria decisivo para o julgamento de Paul Bernardo. Ela foi condenada a doze anos de prisão por cada uma das duas vítimas, com as sentenças cumpridas simultaneamente. Pelo acordo ela teve imunidade no que se referiu ao assassinato de Tammy Homolka.
Em
fevereiro de 1994, Paul Bernardo e Karla Homolka se divorciaram. Ela
cumpria pena na prisão para mulheres de Kingston, e dois meses após
ser levada para lá começou a fazer cursos por correspondência de
sociologia e psicologia na Universidade de Queens. Sua cela era
decorada com pôsteres do Mickey e seus lençóis desenhados com
motivos da Vila Sésamo. Em junho de 1995, foi transferida para a
Metro West Detection Centre, em Toronto.
O
julgamento de Paul Bernardo aconteceu dois anos depois de sua prisão.
Um dos motivos para a demora foi que ele colocu seu adovgado Ken
Murray numa situação ética muito complicada. Três meses após sua
prisão e seis dias após terminarem as buscas por evidências na
casa do casal, seu advogado teve permissão para entrar no local dos
crimes por breves momentos. Recebeu então uma ligação em seu
celular: era Paul Bernardo, dizendo a ele onde encontrar as fitas de
vídeo, escondidas no forro do teto da casa. Paul deu ao advogado as
fitas que ele e Karla fizeram de suas aventuras, acreditando que, ao
fazer isso, elas jamais chegariam às mãos dos promotores.
Eles
já sabiam, por intermédio de Karla, da existência das fitas, e
tinham gravado as conversas entre Paul e seu advogado. Depois de
muita pressão, Murray entregou as provas para a promotoria e
abandonou o caso. Foi substituído pelo veterano John Rosen.
As
fitas de vídeo se tornaram a principal peça da promotoria. Bernardo
enfrentava duas acusações de homicídio em primeiro grau, duas
acusações de ataque sexual com agravante, duas acusações de
confinamento forçado, duas acusações de sequestro e uma acusação
de causar constrangimento para um corpo humano.
A
promotoria começou seu “show” mostrando a imagem de Karla se
masturbando para a câmera, o que causou grande comoção nos
presentes. O vídeo mostrava como Paul forçava Karla a fazer as
coisas contra sua vontade, a ser uma escrava sexual do “Rei
Bernardo”. Sim, ela chamava o marido de rei. Depois de todas as
fitas exibidas, o júri tinha uma completa ideia da profundidade da
depravação sexual de Paul Bernardo.
Como
se já não fosse o suficiente, Karla foi chamada como testemunha.
Seu depoimento mostrou a escalada de indignidades a que o marido
obrigava a esposa. Ela usava uma coleira de cachorro, ele inseria
garrafas em sua vagina e quase a estrangulava com uma corda para
satisfazer suas sádicas fantasias sexuais.
Karla
também declarou que Paul cortou o corpo de Leslie Mahaffy em dez
partes, utilizando para isso a serra elétrica de seu avô, e
encapsulou as partes em concreto no porão da casa deles. Ela ajudou
Paul a jogar os blocos no rio, mas apanhou por ter esquecido de usar
luvas. Depois da morte de Mahaffy, segundo o depoimento de Karla, ela
era espancada constantemente e ameaçada de morte a cada vez que
hesitava em colaborar.
Paul
alegou que suas fantasias eram importantes para ele, e que nunca
machucaram ninguém.
A
defesa resolveu atacar a credibilidade de Karla. Queria mostrar que
ela não era nenhuma vítima, e sim cúmplice ativa nos estupros e
homicídios. Paul contou sobre a frieza da esposa, que, logo após o
estrangulamento de Kristen, correu para secar os cabelos porque
tinham um jantar na casa dos Homolka. Ficou claro para todos que
Karla havia manipulado as circunstâncias de sua cooperação num dos
piores acordos que o governo canadense já fez com uma testemunha
criminal.
As
fitas de vídeo foram vistas apenas pela corte e pelo júri, em
sessão secreta. Público e mídia puderam somente ouvi-las. Durante
o ataque a Tammy Homolka, Karla filmou enquanto Paul a violentava via
vaginal e anal, e depois o rapaz ordenava que Karla fizesse sexo oral
com a irmã. Depois de vários “nãos”, a garota cedeu a vontade
do parceiro. Após a morte de Tammy, o júri pode ainda ver as cenas
filmadas no quarto da falecida, quando Karla fingiu ser a irmã e o
casal manteve relações sexuais entre as bonecas da vítima.
Karla
também foi vista comentando que adorou ver Tammy ser estuprada,
dizendo que sua missão era fazer Bernardo se sentir bem. Ela se
ofereceu como provedora de novas virgens.
Todos
assistiram às cenas do casal espancando e estuprando Mahaffy e
French. Enquanto um agia, o outro filmava e “dirigia” a cena.
Numa delas, bastante perturbadora, Kristen French foi obrigada a
repetir 26 vezes que amava Paul, com a voz bastante tremula e sob
ameaças constantes, enquanto era estuprada por ele. Algum tempo
depois foi terrivelmente surrada e ao fundo ouviam-se seus gritos de
que morreria logo se o prazer de Bernardo não aumentasse rápido.
A
defesa de Paul Bernardo deveria ter formado um time com a promotoria
no julgamento de Karla Homolka; com certeza estas informações
teriam feito diferença. Agora eles estavam acabando com a
credibilidade dela, mas não estavam sendo eficientes em diminuir a
culpa dele. Por ironia, era a promotoria que agora a defendia,
descrevendo-a como mulher frágil e torturada, espancada e obrigada a
cometer crimes.
Nas
imagens vistas pela corte, Karla Homolka deu várias ordens a Kristen
French, mandando que ela sorrisse enquanto estava sendo estuprada e
ensinando à garota o que fazer para aumentar o prazer do marido,
além de atacar sexualmente a vítima com uma garrafa de vinho. Nada
nas imagens vistas indicou qualquer desprazer de Karla ao agir em
dupla com seu parceiro, ou que sentisse qualquer repulsa pelo que
fazia. Ela também teve várias chances de cair fora, mas não usou
nenhuma. Durante as duas semanas em que Leslie Mahaffy ficou cativa
na casa do casal, saiu todos os dias para trabalhar e em pelo menos
duas ocasiões ficou de guarda com a garota, enquanto Bernardo saiu
para alugar fitas de vídeo ou comprar comida.
No
julgamento de Bernardo, ele era considerado culpado até que provasse
sua inocência. Com sua parceira nos crimes, a concepção era
exatamente a oposta: inocente até que sua culpa fosse comprovada. O
acordo com Karla Homolka foi feito antes que a justiça soubesse das
fitas de vídeo ou tivesse acesso a eles, o que justificava a moça
ser considerada testemunha-chave para a acusação de Paul Bernardo.
Enquanto a defesa tentava mostrar Homolka como cúmplice ativa para
diminuir a culpa de Bernardo, a promotoria tratou de mostrá-la como
uma mulher fraca, sofrendo da Síndrome da Mulher Espancada.
Muitos
acreditam que no caso de Karla Homolka a síndrome não se aplica.
Defendem a ideia de que ela é uma mulher muito egoísta, que só
buscou ajuda quando sua própria vida estava ameaçada.
A
sentença de Homolka foi bastante discutida durante o julgamento de
Bernardo, por meio da imprensa e de entrevistas com advogados e
psicólogos. Muitos disseram que a justiça do Canadá vendeu sua
alma ao diabo para conseguir condenar um assassino.
Numa
avaliação psicológica de Paul Bernardo feita através dos
depoimentos de Karla, o psicólogo dr. Chris Hatcher e seu colega dr.
Stephen Hucker identificaram o réu em relação ao seu comportamento
como parafílico (desvios sexuais), sádico sexual, voyeur, hebéfilo
(ter atração por meninas púberes ou adolescentes), toucherismo
(agarrador de mulheres insuspeitas), coprofílico (excitável por
fezes), alcoólatra e com distúrbio de personalidade narcisista.
Nenhum deles achou que Paul Bernardo fosse psicótico.
Paul
se defendeu em seu depoimento, dizendo que fazer sexo com garotas
amarradas e algemadas era sua ideia de vídeo pornográfico, mas que
não matou ninguém. Disse que as vítimas morreram durante o espaço
de tempo que as deixou sozinhas com Karla.
Mahaffy
teria morrido de overdose de drogas. Bernardo pretendia jogá-la em
algum lugar ermo, desacordada. Quando viu que a menina estava morta,
resolveu esconder seu corpo. Segundo seu depoimento e contradizendo
Karla, enquanto ele cortava o corpo em partes, a esposa limpava e
lavava cada uma delas para que pudessem “concreta-las”.
No
caso da morte de French, Bernardo alegou ter deixado a jovem com os
pés amarrados e as mãos algemadas, sob a guarda de Karla, enquanto
foi alugar fitas de vídeo e comprar comida. Por segurança, teria
amarrado um fio elétrico ao pescoço da garota, atando a outra ponta
a uma cômoda. Enquanto estava fora, French pediu para ir ao
banheiro. Quando Karla desamarrou seus pés, ela saiu correndo para
tentar escapar, enforcando-se.
Em
nenhum momento de seu depoimento Bernardo perdeu a calma ou a
compostura. A alegação da defesa era de que não restavam dúvidas
de que o casal tinha atacado sexualmente as jovens, mas precisava ser
estabelecido quem, de fato, as tinha matado. Nada disso salvou
Bernardo. Em 1º de setembro de 1995, Paul foi considerado culpado
por todas as acusações contra ele. Faltava ainda ser julgado pelo
assassinato de Tammy Homolka e todos os estupros de
Scarborough.
Segundo
as leis canadenses, Bernardo pode apelar para obter liberdade
condicional depois de vinte e cinco anos de prisão. Sua apelação
imediata, feita após o julgamento, foi negada em 21/09/2000.
O
advogado Ken Murray foi julgado, em 2000, por obstrução da justiça.
Ele manteve em segredo estar de posse das fitas de vídeo que retirou
da casa de Bernardo, onde o casal assassino aparecia tendo relações
sexuais e torturando Leslie Mahaffy e Kristen French. Murray alegou
que pretendia usá-las na defesa de seu cliente, nas audiências
preliminares. Deixaria que Karla Homolka mentisse sobre seu
envolvimento nos crimes e depois a desmascararia com as fitas,
destruindo sua credibilidade e demonstrando que ela era a verdadeira
assassina e Paul, seu coadjuvante.
Quando
as preliminares foram canceladas e resolveu-se ir direto ao
julgamento, Paul Bernardo começou a pressionar Murray para que não
utilizasse essas provas, as mantivesse em segredo, coisa entre
advogado e cliente. Paul alegava que, sem elas, seria a palavra dele
contra a de Homolka.
Murray
ficou num dilema ético, mas decidiu deixar o caso e entregar as
provas à justiça, com um atraso de dezessete meses. A justiça
alegou que, se estivesse em posse das fitas, não teria tido
necessidade de entrar em acordo com Karla Homolka. Ken Murray foi
absolvido em 13/06/2000.
RESULTADOS
A
casa de Karla Homolka e Paul Bernardo foi demolida, pois o
proprietário não conseguiu nunca mais alugá-la. Outra casa foi
construída no terreno.
Os
pais de Kristen French, Doug e Donna, ainda vivem em St. Catherines.
Donna trabalha com a polícia da região de Niagara, falando sobre o
impacto do crime nas famílias de vítimas em geral.
Os
pais de Leslie Mahaffy, Dan e Debbie tiveram seu casamento destruído
durante o processo. O estresse foi crucial. Debbie organiza
anualmente um dia em memória das vítimas de crime em Burlington e
trabalha no Programa para Vítimas de Crimes da promotoria.
Em
8 de março de 2001, o Conselho Nacional de Condicional do Canadá
resolveu, em Ottawa, não dar liberdade condicional para Karla
Homolka, que mudou seu nome para Karla Teale. Concluíram que, se
solta, poderia ainda cometer crime causando morte ou sério mal a
outra pessoa. Recomendaram que Karla Teale permanecesse em reclusão
até o fim de sua sentença, em julho de 2005.
Nessa
data então, sem mais recursos legais que permitissem a continuidade
de sua reclusão, Karla Homolka, agora Teale, foi libertada depois de
ter cumprido integralmente sua pena. Algumas condições foram
exigidas para que a sua soltura fosse concretizada, como não casar
com criminosos e jamais ficar em posição de autoridade ante
crianças menores de 16 anos.
Em
2006, Karla, agora Leanne Teale e casada com Thierry Bordelais,
tornou-se mãe de um menino. Vive em Quebec, no Canadá.
Filme baseado na história: "Karla"
Fonte: Serial killers: louco ou cruel?, de Ilana Casoy
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